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Creed 2 não consegue ter o mesmo impacto do seu predecessor, mas graças ao bom desenvolvimento dos personagens, o resultado é um filme bom e emocionante.

São curiosas as voltas que o mundo do cinema dá, não é mesmo, caro leitor? Rocky 4(1985) não é um bom filme. Claro, é um filme que até pode divertir, dentro dos seus exageros e características oitentistas, mas ninguém com um mínimo de bagagem cinematográfica  o consideraria uma obra de grande qualidade. Foi neste capítulo da franquia Rockyque o astro e diretor Sylvester Stallone, talvez influenciado pelo seu outro personagem icônico, o soldado John Rambo, resolveu pegar o seu “homem comum” Rocky Balboa e o colocou para acabar com a Guerra Fria, de certo modo, num embate contra os soviéticos num filme patrioteiro, grandiloquente e brega, que virou um inegável sucesso mundial.

Apesar disso, duas coisas incríveis se originaram de Rocky 4:O magnífico Creed: Nascido para Lutar(2015) e sua sequência, Creed 2.A sequência do poderoso longa que apresentou para o mundo o jovem lutador Adonis Creed, vivido por Michael B. Jordan, e o colocou ao lado do icônico Rocky Balboa de Stallone, não consegue repetir o impacto do original, é verdade. Mas é também um belo filme, capaz de emocionar e abordar temas como amadurecimento e masculinidade com sensibilidade e inteligência.

Quando reencontramos Adonis Creed nesta sequência, ele é um lutador em ascensão sob a tutela e o treinamento de Balboa – que parece recuperado do tratamento contra câncer do filme anterior. E justamente quando Adonis está bem na carreira e na vida pessoal, aprofundando seu relacionamento com a cantora Bianca (Tessa Thompson), surge um novo desafio em sua vida: Ivan Drago (Dolph Lundgren), o outrora gigante soviético que matou seu pai Apollo no ringue – em Rocky 4– ressurge do ostracismo para desafiar Creed para uma luta entre este e seu próprio filho, Victor (Florian Munteanu). A luta se torna um evento midiático e pessoal do qual Adonis não consegue escapar.

Os elementos para uma história fortemente dramática estão aí, e a oportunidade desse drama quase “shakespeareano” deve ter se provado irresistível para os produtores e roteiristas da sequência. Porém, falta a Creed 2justamente o frescor que o primeiro trouxe, o frescor de um novo enfoque e uma nova visão para uma franquia que já se encontrava encerrada e foi “ressuscitada”  de maneira exemplar. Quem trouxe essa visão foi o diretor Ryan Coogler, que devido aos seus compromissos – leia-se, a direção de Pantera Negra(2018) – não pôde dirigir Creed 2 e atua no filme apenas como produtor. O diretor substituto, Steven Caple Jr., é muito competente, mas não é Ryan Coogler. O resultado é que Creed 2 acaba sendo um filme mais próximo ao espírito dos antigos Rocky do que o primeiro Creed. Até o desenvolvimento da história é mais previsível por causa disso.

O que não significa que o roteiro (de Stallone e a co-roteirista Juel Taylor, com colaboração de Cheo Hodari Coker, produtor da série Luke Cage) não lance umas benvindas surpresas ao espectador aqui e ali. A maior delas é o presente (mais um) para Lundgren, cujo arco durante o filme é uma beleza de se ver e o ator corresponde, conferindo um peso e uma humanidade a Ivan – que não passava de uma caricatura em Rocky 4– e ao relacionamento dele com seu filho. Contribui para isso uma participação até inesperada de uma figura cuja identidade é melhor não revelar para o público, uma breve participação que ajuda ainda mais a ligar os dois filmes e a construir a triste história de Drago nos trinta anos que separam um filme do outro.

O roteiro também tem a inteligência de desenvolver a crise de Adonis ligando-a ao temperamento do seu pai e todas as noções de masculinidade que ele trazia. De fato, podemos comparar os dois filmes – Rocky 4 e Creed 2– e ver a evolução do retrato da masculinidade no cinema para algo com mais nuances e profundidade, graças ao amadurecimento do protagonista durante a história. Pena que o filme não se aprofunde ainda mais nisso. Curiosamente, em Creed 2 quem menos tem a fazer é o próprio Rocky, limitado a repensar o relacionamento com seu filho, algo que já havia sido explorado – e aparentemente resolvido – no ótimo e tocante Rocky Balboa(2006).

E falando em termos de franquia: Creed 2 tem referências aos anteriores para agradar aos velhos fãs, boas cenas de luta – embora não tenha nada comparável ao plano-sequencia do longa anterior  nesse quesito –, a já clássica “sequência do treinamento” e ótimas atuações do elenco. Além de Jordan, que volta a demonstrar ser um poço sem fim de carisma, e de um Stallone mais abatido, mas ainda preciso nas várias sutilezas que compõem seu incrível personagem, Thompson, Lundgren e Phylicia Rashad como a mãe de Adonis brilham muito. E, de novo, é praticamente impossível não se emocionar ao presenciarmos os desfechos das jornadas desses personagens, muitos deles já conhecidos de décadas.

Mesmo não alcançando as glórias do seu predecessor, Creed 2é mais um capítulo para se orgulhar numa trajetória cinematográfica que já dura mais de 40 anos, e que já foi dos exageros sinceros (e divertidos) dos anos 1980 até o contexto atual, diferente e mais esclarecido – espera-se. Tal como Adonis Creed, os filmes também amadureceram. E, para reflexão, não existiria o presente sem o passado, por mais que hoje em dia seja possível tirar um sarro daqueles filmes antigos, mas que ainda moram nos nossos corações.

Nota: 8

Elenco: 10

Roteiro: 8

Vibração na cena de luta final: 9

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