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A última entrevista de Arthur como prefeito de Manaus

"O destino político eu não posso falar muito, não é? Eu não sei... Mas meu pai me dava conselhos preciosos, dignos do Maquiavel."

Quando o senador cassado Arthur Virgílio Filho  recuperou os direitos políticos, após a anistia em 1979, encontrou o filho, o jovem diplomata Arthur Virgílio Neto,  se bandeando para o lado da política, não estimulou, mas também não reprimiu. Decepcionado e disposto a nunca mais subir em um palanque ou uma tribuna, o velho apenas aconselhou, com a voz grave, pausada, depois de alguns segundos de pesado silêncio:

— Eu não vou. Mas você está entrando nisso, entre! Não louvo,  não recomendo, mas se quer entrar,  entre. Mas saiba que dificilmente a gente larga a política. É a política que escolhe o momento de largar a gente!

Arthur, que no futuro seria deputado federal, senador da República, ministro e prefeito de Manaus  por três mandatos,  nunca mais esqueceu a lição. Nesta terça-feira, 29 de dezembro de 2020, a poucas horas de encerrar o seu terceiro mandato, Arthur lembrou a frase do pai ao ser perguntado na entrevista exclusiva ao Blog do Mário Adolfo  se seria candidato ao governo em 2022 ou se estava pensando em abandonar a política.

— Não é a gente que abandona a política. A política é que decide abandonar a gente  –,  respondeu, complementando que, no seu caso, nem ele  está pensando abandonar a política e nem a política, garante, está querendo abandoná-lo.

— Não é isso que vejo na rua. Onde eu passo é um carnaval –, garante o prefeito.

Nesta última entrevista como prefeito, Arthur faz um balanço de seus oito anos na prefeitura, revela as várias vezes que teve chances de se eleger governador, confessa  seu profundo respeito pelo ex-governador Gilberto Mestrinho, “seu mais difícil adversário”, pede mais respeito do presidente Jair Bolsonaro com a Amazônia e   defende os índios que vêm sendo tratados com indiferença pelo Governo Federal. “E a indiferença é uma forma cruel de perseguição!”

A ENTREVISTA

Blog do Mário Adolfo – Após 31 de janeiro de 2020, qual deverá ser  o destino político do ex-prefeito Arthur Virgílio?

Arthur Virgílio (prefeito de Manaus) – O destino político eu não posso falar muito, não é? Eu não sei... Mas meu pai me dava conselhos preciosos, dignos do Maquiavel. Meu pai foi brutalizado por uma ditadura que cassou o seu  mandato de senador, aos 48 anos de idade, quando ele estava no auge da sua capacidade de criar. Quando morreu aos 66 anos, estava com a cabeça a mil. Infelizmente, não se curou e  o câncer de próstata  virou um câncer generalizado e ele morreu. Mas quando ele voltou da cassação, anistiado,  ele poderia ser senador, deputado federal, o que ele quisesse, mas ele dizia: “Não vou. Mas você está entrando nisso, entre. Não louvo,  não recomendo. Mas entre. Saiba que na política, dificilmente a gente larga a política. É a política que escolhe o momento de largar a gente”. Foi uma frase muito sábia como outras que ele tinha. Eu sei do amor que você, Mário, tinha por ele e como ele gostava de conversar com você. E de como você e o Simão (Pessoa), à época estudantes universitários,   faziam companhia para ele. Meu pai dizia que "em política, muitas vezes, o melhor movimento é ficar parado". Por isso que eu não troco de partido. Por isso é que eu não estando podre, o resto pode ficar tudo podre em volta, porque eu não sou mariposa que fica atrás de saber quem tá na frente ou quem ganhou. Tem uma outra coisa. Eu saio com o compromisso de dar alguma ajuda, alguma opinião. Desde que seja chamado, estarei às ordens.                                                                                                                                                                

BMA – Qual será a postura do político Arthur Virgílio,  sem mandato ou cargo, em relação aos interesses da cidade. É mais cômodo governar ou  ir para a tribuna fazer oposição?

Arthur Virgílio – E posso dizer que como deputado, ministro e senador nunca teci nenhuma crítica a nenhum prefeito. E poucas críticas a governadores.  Sabe por quê?  Porque tem a Assembleia Legislativa  para cuidar de governador. Tem Câmara Municipal para criticar o prefeito. Não é o papel  de um senador, que tem um compromisso maior de vigiar o presidente da República, de cuidar dos negócios do Estado, de cuidar da Amazônia para o mundo. De fazer da Amazônia  uma questão nacional e não uma questão paroquial, provinciana, como algumas pessoas tolas de outros estados do país tinham a mania de dizer: “Olha aí, ele está defendendo a Zona Franca porque são os votos dele, é a paroquia dele”. Não. Eu não sou paroquial. Sempre vi a Amazônia como o lugar mais estratégico do Brasil.  Tenho muitos planos daqui pra a frente. Vamos ver. A primeira coisa é dar uma descansada.

BMA – Baseado no conselho de seu pai o senhor está deixando a política ou a  política está lhe deixando? Como se sente?

Arthur Virgílio – Não. A política não está me deixando.  Na rua eu vejo que a política não quer me deixar não. Cada rua que eu entro é um verdadeiro carnaval.

BMA – Prefeito, concluindo o mandato, o senhor vai continuar morando em Manaus ou pretende se transferir para Brasília ou outra cidade?

Arthur Virgílio – Sim, vou continuar morando em Manaus, sim. Mas vou ter que viajar muito para fazer palestras. Estou muito prejudicado nos convites que tive, nas atividades que eu tenho porque agora tem essa história de pandemia. Ficar 14 dias de quarentena em cada cidade que passar.  Quando eu for olhar o preço do hotel, já gastei todo o dinheiro que ganharia com a minha palestra, consumindo no hotel, né? Mas tenho que fazer isso. Vou fazer videoconferência, viagens pelo Brasil. Isso ainda é algo possível tomando todos os cuidados. Eu já tive a tal Covid, mas são vários Covids. Estamos falando em Covid-19 porque já teve outros vírus por aí.  Vem aí a Covid-21 e pode ser que os remédios para a Covid de hoje não sirvam para a Covid-21. Acredito muito, pode ser até raro, que há o risco de reinfecção. É preciso ter todos os cuidados. Estamos sem máscaras (apontando para a equipe do blog e seus assessores) porque estamos longe uns dos outros. Mas se olharmos em volta, todos estão com máscaras, de acordo com o que manda o figurino. Eu não sei o que vai ser quanto a isso. Vou pensar mesmo em me organizar do ponto de vista civil.

Arthur e Mário Adolfo

BMA – Como será o primeiro dia (1º de janeiro) do agora ex-prefeito Arthur Virgílio?

Arthur Virgílio – Acordo muito aliviado no dia 1º de janeiro. Tirei um peso forte das costas. Agora já estou com saudades. Sou uma pessoa viciada em povo. Os políticos de forma geral não são viciados em povo. Não entendem de povo. Eles fogem do povo. Eles passam direto. Eles não sabem tratar o povo. Vamos ver o que vai resultar daí, mas nunca vou deixar de dar a minha contribuição para Manaus, para o Amazonas, para o Brasil, para o mundo democrático. O que eu puder dar, eu vou dar.

MBA – Prefeito, já vi políticos experientes que foram prefeitos dizer que nunca mais queriam administrar Manaus, por que é uma cidade complexa, complicada e com problemas estruturais que dificilmente serão resolvidos. O senhor também  compactua dessa ideia?

Arthur Virgílio – Eu acho difícil Manaus, mas, ao mesmo tempo  acho fácil e possível trabalhar Manaus. Basta sinceridade, basta organização financeira. Somos a cidade, talvez, mais bem ajustada do ponto de vista fiscal do país. Basta não termos problemas, agitações na Previdência. Os nossos pensionistas, nossos aposentados e aqueles que vão se aposentar um dia estão garantidos, porque virei um déficit de R$ 3 bilhões, para um superávit de R$ 1,5 bilhão. Isso em oito anos. Tirei a Previdência da falência como tirei Manaus de uma situação de débito de R$ 347 milhões para um superávit que vai deixar muito confortável o meu sucessor. Ele vai ter todos os instrumentos para começar a tocar a bola e fazer um bom jogo. Manaus era o 8º PIB (Produto Interno Bruto) quando eu cheguei. Hoje ela é o 6º. Gosto muito de evoluir, estudo economia. Segundo o meu irmão, que é um dos economistas de mão cheia do país, estamos em uma transição do 6º para o 5º PIB. Manaus é o segundo gerador de empregos. Depois da Zona Franca é Manaus. Manaus e Zona Franca sustentam a economia do Amazonas.

BMA – O senhor sempre foi um defensor intransigente da Amazônia e dos povos da floresta. E muito mais agora quando temos um  presidente que não está muito preocupado com a Amazônia, com a floresta e com os índios?

Arthur Virgílio – Procurei, como prefeito, fazer uma atuação proativa nessa questão da defesa da floresta, não por fetiche nem por nada, mas porque a gente tem que preservar os índios. Ninguém pode dizer quantos índios morreram depois dessa confusão que se estabeleceu aí. Quem falar o número está mentindo. Os índios acabam se enterrando na floresta. Não tem uma Funai (Fundação Nacional do Índio) que dê, de fato, força para os índios, que seja comprometida com os índios. Temos um ministro do Meio Ambiente que não é comprometido com o meio ambiente é comprometido com grandes empresas rurais que querem se implantar no coração da nossa Amazônia. E  a Amazônia que é para valer é a Amazônia amazonense. As outras todas estão deterioradas. Querem  colocar aqui garimpo, que é coisa de bandido, coisa de assassinato, de briga por local onde colocam flutuantes, enfim. São bandidos, assassinos. Se   descobrir ouro eles cortam o ar de quem mergulhou no rio para  descobrir o ouro. Assim ficam sozinhos com o ouro, não precisam dividir.  Então, garimpo aqui nem pensar. Na Amazônia, nem pensar. Repudio do fundo da minha alma, como repudio o agronegócio. Admiro o agronegócio nos locais onde ele é cabível, mas ele não é cabível aqui na nossa região.

BMA (interrompendo) O agronegócio parece ser o “carro chefe” do Jair Bolsonaro.

Arthur Virgílio – Mas aqui não cabe. Em algumas periferias do Norte, talvez, mas na nossa região, no coração da Amazônia não cabe o agronegócio. Sabe qual é a rentabilidade de um hectare de uma cultura de gado? Uma cabeça por hectare, ou seja, derrubam a floresta, vira um deserto por muito pouco. A gente começa a atingir os rios, derrubar tudo. Acabam com os rios que navegam. Acabam com o banho que a gente dá no Nordeste, o banho que a gente dá em São Paulo, no Sudeste, o banho que a gente dá na Argentina, o banho que a gente dá no Uruguai. Acabar com a nossa possibilidade de assumir o compromisso com o Brasil assumiu solenemente com a conferência de Paris. O compromisso de dar determinada contribuição em números para que nós não deixássemos chegar o final do século com o planeta impossível de ser vivido por seres humanos. Temos muitas responsabilidades. Ser hoje representante parlamentar ou prefeito da capital da Amazônia, que é Manaus, ou o governador do Estado, requer muita responsabilidade, sobretudo com o Brasil. O Brasil tem que entender que não é falando bobagem que vai manter a soberania nacional sobre a Amazônia. Não é falando de pólvora, armando o povo,  não é falando tolice, que vamos manter a Amazônia. Governando bem a Amazônia ela será brasileira. Será a Terra Brasilis sempre. Se não governarem bem um dia vão se surpreender com uma intervenção militar pesada e talvez irreversível visando poder sobre a região mais rica deste país.

A entrevosta aconteceu no CCC

BMA – Em algum momento de sua vida o senhor almejou governar o estado do Amazonas. Ainda tem esse sonho?  Não está na hora de tentar outra vez, em 2022?

Arthur Virgílio – Eu tive chance, várias vezes, de ser o governador do Amazonas. Sai de uma eleição em 1988 e enfrentaria o mesmo adversário em 1990. Será que eu não teria vencido o Gilberto Mestrinho outra vez?

BMA (interrompendo) – Foi o seu adversário mais difícil nas urnas?

Arthur Virgílio –  Uma grande figura, um grande líder do século passado. Seria uma honra enfrentá-lo novamente. Tive muita honra só de enfrentá-lo. Se tivesse perdido, em 1988,  eu guardaria como um prêmio.  Mas eu venci, fiquei triste... Poxa! Ele era amigo do meu pai. E, ao mesmo tempo,  fiquei feliz porque eu tinha que ganhar. Lutei para isso, lutei para ganhar. Então, eu poderia ter sido candidato em 1990. Eu fui convidado para compor uma chapa com o Valois (Félix, ex-vice prefeito)  que é uma pessoa de toda confiança, irrepreensível. Tive outras  chances de ser governador, diria que várias chances. Em 2014, será que eu perderia  do Mello, que ganhou do Eduardo? Depois teve 2017, será que eu perderia para os candidatos que se apresentaram   (Amazonino, Eduardo Braga, Rebecca Garcia, Marcelo Serafim e Zé Ricardo) ?

BMA – E por que, então, não disputou, já que o governo do estado é o sonho de qualquer político?

Arthur Virgílio –  O que eu não queria era deixar a minha prefeitura, porque quando eu assumo um compromisso, assumo até o final. Meu compromisso agora é até o dia 31 de dezembro, à meia-noite, trabalhar exaustivamente e até desumanamente. Toda a minha equipe está se dedicando para entregar obras, fiscalizar Manaus, estar presente em Manaus. Vou fazer isso com muito gosto. Depois disso acho que mereço um descanso. Ler uns bons livros. Estou com tantos livros bons para ler, Mário. Tem vezes que o pessoal me mostra alguma coisa nojenta que sai em alguns desses blogs aí, pagos para fazer o mal. Não dou bola! Quando alguém me diz: “Leu”? Eu digo: “Não”! Não estou tendo tempo nem de ler Fernando Pessoa, como vou ler um cara desses. Não tem perigo! (Risos).

BMA – Mas, em resumo, o senhor é candidato ou não?

Arthur Virgílio – Não, sabe por quê? Estou pensando mesmo em descansar. Renovo minhas forças. Durmo muito cedo. Me emborco e durmo, durmo mesmo. Acordo muito cedo e renovo minhas forças para trabalhar e fazer as mesmas coisas. As obras estão diferentes, mas é óbvio que temos 10 ou 15 obras para entregar e vamos entregar até a última. Sem aglomerações. Quero mesmo é cumprir o meu dever de governar Manaus do jeito que governei e tendo a certeza de que governei de uma maneira diferente: a melhor. Uma cidade metropolitana. Estamos aqui no Centro de Controle da Cidade, onde tem um painel que pega uma parede inteira onde a gente vê, on line,  tudo o que acontece na cidade. A gente vê o que está acontecendo na sede da prefeitura, o que está acontecendo nas ruas. A gente vê o que está acontecendo no trânsito. É os técnicos manejarem. Houve um distúrbio em algum lugar e o  prefeito diz: “Eu quero os detalhes. E os detalhes vêm na hora”. Então, isso aqui é Manaus inteligente. A gente se completa com o Casarão da Inovação que está funcionando para produzir startups de tecnologia 4.0 lá onde era o Hotel Cassina, que estava destruído. A gente reconstruiu o centro, reconstruiu os bairros, dificilmente não há um bairro que foi fortemente atacado por mim, principalmente os bairros mais distantes, lugares onde têm pessoas mais carentes.

BMANa Educação, que marca a sua administração atingiu?

Arthur Virgílio – Fizemos escolas maravilhosas que espalhamos pelos bairros mais periféricos de Manaus de acordo com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) . Quanto mais pobre o lugar, era ali que a gente ia colocar as escolas para dar ao mais pobre a chance de estudar e prepará-lo, talvez, melhor do que os outros. As pessoas não são iguais. As pessoas são diferentes. Umas se mostram mais capazes do que as outras ao longo do tempo. É assim no esporte. É assim na vida pública. É assim na vida comum, mas eu acho que é injusto a gente não dá chances de o filho do “muito pobre” um dia virar, quem sabe patrão de alguém que não se deu bem na vida e era filho de um “muito rico”. Estou falando de justiça social. Justiça social se completa pela educação e pela oferta de oportunidades para que as pessoas possam crescer e não aquele círculo vicioso de o filho do pobre trabalhar para o filho do rico. Filho do pobre quando cresce, quando muito vira gerente. E por que não virar um empresário? Por que não um grande cientista? Por que não um bom governador? É dar para ele meio de estudar que ele vai mostrar  a sua inteligência. Conheço um menino, o Luquinha, lá do Novo Aleixo. O Luquinha vende picolé. Chegava para ele e falava:

— Quero comprar o picolé todo.

E ele vendia. E o que eu perguntava ele sabia tudo de cor. Aí eu dizia:

— Muito bem.

Bom, o Luquinha virou empresário. Vende o picolé e  colocou o Levy que é o irmão mais novo para vender salgados que  a mãe prepara. Aí eu disse:

— Luquinha, você virou chefe de uma pequena empresa. Tá trabalhando o Levy, você, sua mãe. Está ganhando todo mundo. A renda familiar aumentou.

O garoto é inteligentíssimo. Falei para ele. Você vai estudar nessa  escola que estamos fazendo. É daqui dessa escola que você vai partir para ser o grande cara que você é. O grande cara que você merece e tem aptidão para ser.

Mário Adolfo, Arthur e Mário Adolfo Filho

BMA – O senhor governou oito anos sem apoio de verbas do governo federal?

Arthur Virgílio –  É assim,  eu tinha uma amizade muito boa com a presidente Dilma. Talvez tenha sido o prefeito mais abraçado e beijado por ela. Mesmo botando os governadores juntos, eu fui o prefeito mais beijado e abraçado por ela. (risos)  Mas não me dava dinheiro. Acho que ela tinha orientações para não me ajudar financeiramente, mas eu tinha uma relação muito boa com ela. As vezes dá vontade de pegar o telefone e ligar para ela.

BMA – (Interrompendo) Muito civilizada, né?

Arthur Virgílio –   Sim. Muito civilizada. O governo Bolsonaro, talvez pelo alinhamento dele, nunca me negou nada  de crédito. Era Manaus ajustada. Manaus forte previdenciariamente, Manaus com obras que têm a ver com projetos estratégicos 2030. Era isso que sensibilizava o ministro Paulo Guedes, que sensibilizava o ex-secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, querido amigo. Isso que faz com o que o pessoal da STN, equipe econômica do  governo, tenha admiração por Manaus. Muitos deles dizem que se o Brasil fosse Manaus, o Brasil não estaria no buraco que está, com déficit primário acima de R$ 900 bilhões. E Manaus com um superávit, pensando em deixar bem o sucessor. Pensando em deixar obras para o seu sucessor fazer. Obras já pagas como cinco escolonas do BID. Sete creches. Creches eu encontrei uma. Feita pelo meu amigo, meu irmão Serafim Corrêa. 348 anos de histórias e estou com 26,   27 creches. Não é o bastante, mas, poxa, nem a goleada da Alemanha contra o Brasil foi tão forte assim. Todos os prefeitos juntos, uma. Eu sozinho, 26, 27 creches. O caso da goleada das creches é bom que outro venha e  me goleie. Estou entregando 26,27, mas quero um que faça 80 se puder fazer. Mas tem uma equação muito perversa que fica inviável fazer muita creche que o custeio é 90% nosso e 10% do governo federal.

BMA – E qual a avaliação que o senhor faz do governo Jair Bolsonaro e da forma indiferente com que ele olha a Amazônia?

Arthur Virgílio – Ele [ Jair Bolsonaro] se porta muito mal em relação a Amazônia. Perseguição contra mim, zero. Falou bobagem, que eu era “um bosta, que eu era um estrumo...” O problema é dele. Não vou dizer aqui o que eu penso dele nas mesmas proporções porque eu respeito muito quem está me ouvindo, quem está me vendo, mas ele se portou muito mal em relação à Amazônia. Não demonstrou conhecimento. No seu governo aumentaram as queimadas. Aumentou o desflorestamento. Aumentaram as derrubadas de árvores. Tento provar, exaustivamente, para todo mundo que a floresta em pé dá muito dinheiro. A floresta deitada dá dinheiro uma vez só. Depois nunca mais. O mundo não aceitaria que a maior floresta do mundo ficasse deitada. Ela tem que ficar em pé, rendendo frutos a partir da exploração forte, pesada e com fé pelo Brasil e até por 400 estrangeiros de um acordo com o Brasil a partir da nossa biodiversidade. Acho que ele se portou mal. Ele tem um ministro do Meio Ambiente... nem sei o nome dele...

BMA (interrompendo) – Ricardo Salles!

Arthur Virgílio – Eu nem lembro e nem falo o nome dele. Eu o  considero uma imoralidade, uma coisa absurda, uma pessoa daquelas ser ministro do Meio Ambiente, sem nenhum compromisso com o meio ambiente. Um compromisso claro, nítido, com grandes empresas que têm o compromisso de fazer agronegócio no coração da Amazônia. Isso não é uma coisa que eu possa permitir sem protestar. Não posso permitir isso sem denunciar e nem dizer que a primeira providência  e boa vontade do presidente Bolsonaro em relação a Amazônia era a demissão imediata desse cidadão. Não é competência. Não sei nem se ele é capaz de servir bem às grandes empresas rurais, mas sei bem o mal que ele está fazendo à Amazônia. Sei o mal que ele faz aos índios. O mal que ele faz às nações indígenas. Embora tenha muitos admiradores, tenho gente na minha família que gosta muito do Bolsonaro, mas eu deploro o governo dele no ponto de vista da Amazônia.

BMA - O senhor conviveu com políticos históricos – alguns até lendários como Jango, Brizola, FHC, Fraco Montoro, Tancredo, Ulisses. Nos últimos tempos está cada vez mais difícil encontrar políticos com esse perfil, de compromisso com a história, com a sua biografia, como o país. O senhor acha que de uns tempos para cá a política empobreceu?

Arthur diz que ainda sente o carinho nas ruas da cidade

Arthur Virgílio – Nossa! Uma frase que ficou muito vulgar, mas o Ulisses disse para muitas pessoas, mas ele disse para mim, é claro. Eu sentei uma vez perto dele, presidindo uma sessão aí uma discussão que não tinha pé nem cabeça, sabe. Se eu não me engano era o Itamar Franco debatendo  o sexo dos anjos e não acabava a discussão nunca. Não votava nada de interesse do país. Aí eu virei para ele e falei:

— Dr. Ulisses, eu estou de saco cheio disso! Não tô mais aguentando!

Aí ele [Ulisses] falou:

— Oh, meu filho, você está começando! Você já não tá aguentando? E eu que venho aqui desde 1954? E mais,   aprenda uma coisa. Os Congressos, os parlamentos, vão piorar sempre, mas sempre vão ser essenciais para a democracia. Para a luta pela democracia e para a construção de uma democracia sólida. Aprenda isso!

Eu aprendi e passei, assim, a aceitar. Quem não tem Ulisses, caça com gato, que não tem Tancredo, caça com gato, que não tem Brossard, caça com gato, que não tem Arthur Virgílio Filho, caça com gato! (risos).

BMA – Para encerrar, qual o legado que Arthur Virgílio deixa para Manaus e para futuras gerações de políticos?

Arthur Virgílio –  No plano financeiro, a organização da cidade. No plano tecnológico, o Centro de Controle da Cidade que é o cerne da Cidade Inteligente junto com o Casarão  da Inovação, que está funcionando em pleno vapor. Deixo o Centro histórico regenerado. Muita coisa precisa ser feita. Já reservei espaço orçamentário, no próximo orçamento, para que o próximo prefeito possa contrair um empréstimo de R$ 500 milhões para continuar o trabalho de regeneração do Centro Histórico. LED, somos a capital do LED. É difícil encontrar uma rua, hoje a exceção, sem LED. Posso dizer que tem 100% de LED em Manaus porque se na rua do seu Zé não tiver LED, ele pode mandar me avisar que eu mando fazer LED lá hoje de manhã. Então LED, São Paulo têm umas lampadazinhas, mas Rio de Janeiro, cidade maravilhosa,  não tem nenhuma. E por mais incrível que pareça, São Paulo perde em número, e se for pegar o percentual, é elevado. Já estou falando em Alemanha demais. É outro 7x 1 que fica até vergonhoso falar. Enfim, o legado da gente são as obras importantes. Foi mostrar que pelo ajuste fiscal a gente ia construindo uma realidade e a gente sobreviveria àqueles 30 meses de recessão. A gente sobreviveu!

BMA – Em oito anos, alguma vez houve atraso de salário?

Arthur Virgílio –Nunca deixamos de pagar pessoal. Hoje mesmo, vou mostrar para você em primeiríssima mão: No final do Fundeb, quem se classificou e atingiu as metas em Educação infantil, nós demos o 14º e 15º salário. Mas para as  pessoas que atingiram a meta. Distribuir para todo mundo é populismo. Meu estímulo é que todos se esforcem para atingir a meta, porque aí todos farão jus ao dinheiro do Fundeb, enfim... Isso é um legado, que estamos saindo da rabeira da educação e estamos na linha de frente na 9ª potência em educação infantil.

Também temos a cidade que mais cresce em assistência básica de saúde. Temos a cidade que mais cresce em assistência social, políticas sociais. Tem um fundo que a minha esposa (Elisabeth Valeiko)  preside, que é o menor orçamento por ano, R$ 6 milhões. O grosso do que ela faz vêm das contribuições de empresas privadas, de contribuições avulsas. Enfim, um legado que temos despertado em Manaus. Fizemos milhares de residências populares. Logo de cara o Prourbis. Fizemos a interlocução  entre funcionários públicos e pessoas que estavam na beira da falência no setor imobiliário, no auge da crise. Juntamos o contracheque de quem queria comprar e quem tinha o estoque pronto para entregar e em troca de um enorme desconto que correspondia ao tamanho da crise, que correspondia ao tamanho da necessidade nossa. Apoiamos as entidades pequenas. Apoiamos a construção de pequenas unidades. Ao final, isso daí ficou direto e indiretamente, se aproximou de 28 mil unidades, enfim. Tem um amigo que diz que eu fui o prefeito da habitação. Eu fui o prefeito que simplesmente entendeu que o principal bem que uma pessoa pode ter é a casa própria. Dias atrás fui levar comida e rezar um Pai Nosso com os moradores de rua do Centro da cidade. Eu sei da agonia deles. Ontem [ 28] entreguei um abrigo. Primeiro abrigo do Norte. Não sei quantos têm no Brasil. Decente, bonito. Capacidade para atender 100 pessoas. Vamos atender inicialmente 50 pessoas. Moradores em situação de rua, como dizem os técnicos em assistência social e para não criar aglomeração. É isso. Vamos estar sempre trabalhando o espírito público. Apoio a Manaus. Apoio ao reconhecimento ao nosso estado com fenômenos nacionais e internacionais.

Arthur Virgílio Neto com crianças

BMA – Em relação à Amazônia, o mundo anda mais solidário?

Arthur Virgílio – O mundo já aprendeu isso. Falta o Brasil acordar. Falta o presidente da República acordar e entender que isso aqui não é uma região qualquer. “Esta é  a região!”  O povo lá fora está pouco se lixando para São Paulo para Florianópolis. Está pouco se lixando para o Rio de Janeiro.  Está preocupado com a capital da Amazônia que é Manaus, porque eles precisam desse agente ativo enfrentando o aquecimento global e porque é claro que eles sonham com a expectativas de serem chamados para parcerias. Seriam parcerias muito boas  para o nosso povo, explorando a biodiversidade. Aí eu chamo atenção: Cada índio que morre leva uma parte da história da gente. Cada índio que morre deixa de ser um parceiro  do PHD na futura e necessária exploração da biodiversidade. O índio é um PHD em florestas, em rios. Ele sabe quando vai chover, sabe como entrar, como sair da floresta. Ele sabe para que serve aquela flor, aquela folha. Ele sabe tudo sobre a floresta. Então, ao invés de valorizar os índios, estão espezinhando os índios. As populações tradicionais, os nossos caboclos estão se enterrando em casa com essa Covid. Eles são muito humildes, muito simples, muito maltratados, muito esquecidos, perseguidos o tempo inteiro até pela indiferença. Colocar garimpeiro em cima deles é colocar a perseguição com indiferença. A indiferença é uma forma de maldade. Passiva, mas uma forma cruel de perseguição. Então, estou chamando atenção para a importância científica dos índios, que seriam os PHDs para enriquecer o Amazonas, o  Brasil, a Amazônia. Uma parte do mundo quer ser parceiro nosso, graças à condução da sabedoria científica do cientista e a sabedoria empírica do nosso índio, do nosso caboclo e das nossas populações tradicionais. Feliz Ano Novo! Felicidades para o meu sucessor!

BMA – Uma mensagem final.

Arthur Virgílio –  Feliz Ano Novo! Felicidades para o meu sucessor! Que ele faça um grande governo e que toque Manaus adiante, porque Manaus merece muito carinho e muito respeito.

BMA – E agora, o senhor vai voltar a ler Fernando Pessoa?

Arthur Virgílio – Vou sim, eu preciso. Imediatamente (risos).

Arthur nos seus últimos momentos como prefeito
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