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Situação dos venezuelanos precisa nos comover todos os dias

São 8h45 de uma quarta-feira. Na ruela que leva até ao supermercado Assaí, na avenida Efigênio Sales, zona Centro-Sul de Manaus, chove forte e uma Venezuelana procura se abrigar com um filho pequeno debaixo de um pedaço de caixa de papelão. De dentro do carro, tento me aproximar para uma possível entrevista. Ela faz o sinal de não com o dedo, como se perguntasse “por que você quer alardear ainda mais o meu sofrimento?”.

Na quinta-feira, manhã nublada, voltei para tentar reconstruir o passo a passo dessa tragédia, que tanto incomoda quem tem um mínimo de sensibilidade e entende o significado da palavra solidariedade. Em companhia da fotógrafa Ione Moreno, seguimos pela Avenida das Torres e nos deparamos com dezenas de mães no meio fio da extensa estrada. Uma delas exibe uma placa,  pintada com letras toscas em um pedaço de papelão, a inscrição em espanhol – “Eu venezolana procuro trabajo de você. tengo filhos. Jeohova Dios es fiel”.

Na mesma calçada, uma mulher procura abrigar com um pequeno pedaço de pano duas crianças.  É Saray Benjamin, 30, que tem cinco filhos:  os gêmeos Aristides e Aisha de 2 anos; e mais três de 6, 12 e 14 anos, que estão com o pai em casa – um quarto alugado no bairro do Coroado, Aleixo. Um dos gêmeos, Aristides,  está com febre alta e um tosse que não para. O peito ronca de secreção. Mesmo assim fica exposto ao frio, chuva,  sol e  mormaço, dependendo do clima imprevisível de Manaus.

— Além da luta para conseguir o que comer, não temos remédios e isso me preocupa, porque pode ser uma doença mais grave –, lamenta Saray, que com o marido e os meninos vieram de  Ciudad Guyana,  a cidade mais povoada do Estado Bolívar e do  Municipio Caroní, na Venezuela.

Fundada nos ano 1960, Guyana, a 700 Km de Caracas, era o  sonho de Hugo Chávez (falecido em 2013 após 14 anos no poder) , que, acreditando poder usar o dinheiro dos recursos naturais para industrializar a Venezuela,  expropriou as empresas de capital espanhol, em 2010, e o estado de Bolivar mergulhou na crise.

— Sem emprego, sem ter dinheiro pra comer e, se tivesse, não haveria produtos para comprar, a única saída foi abandonar o país e se aventurar na estrada – conta Saray, que atravessou a fronteira com seus filhos para Boa Vista (RR), onde pegou carona com caminhoneiros, até chegar a Manaus.

— A vida te sido difícil, é verdade. Mas, diante do inferno de Maduro, isto aqui é o paraíso –, diz a mulher.

Como o passarinho que carrega no bico uma gota d´água para apagar o incêndio, corremos até à farmácia mais próxima, compramos remédios e entregamos à mãe do pequeno Aristides. A entrevista virou pauta secundária.

‘Maduro resiste’

Alguns passos dali, Loelimar Olivar, 26, diz que até àquela hora, seu filho, de 04 anos,  não se alimentou. “Às vezes conseguimos algum dinheiro, mas em alguns dias, é difícil”, diz a venezuelana, rvelando que “nos dias bons”, é possível arrecadar até R$ 15 na base da solidariedade do manauara.

Olivar veio de Tucupita, a capital do estado de Delta Amacuro, na Venezuela, onde onde vive a maioria dos nativos Warao. A indígena diz que ainda alimenta sonhos de voltar a Venezuela.

— Mas vai ser uma longa espera porque Maduro resiste e não deverá cair tão cedo –, comenta, sem muita esperança, Loelimar, sem saber que Nicolás Maduro,  lançou a sua campanha à reeleição em um ritual xamânico, que incluiu bênçãos e rezas em nome de Deus e de Hugo Chávez, com a promessa de tirar a economia do país do atoleiro. Mas parece que os  guias e mentores espirituais não ouviram o ditador. O país, castigado pela hiperinflação, pela escassez de alimentos, de remédios e de produtos básicos.

Texto: Mário Adolfo – Fotos: Ione Moreno

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