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“Sínodo pode ser um alerta para os países amazônicos e para a consciência universal”

Sob fogo cerrado das alas mais conservadoras do clero, começa neste domingo (6), em Roma,  o Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica. Com uma pauta polêmica, que discute até a ordenação de padres casados, indígenas e uma presença mais efetiva da mulher nos ofícios da Igreja – tema defendidos pelo Papa Francisco –,  o encontro também vem sendo visto como motivo de preocupação no governo Bolsonaro por envolver o “calcanhar de Aquiles” do Brasil no cenário internacional.

Durante três semanas, sacerdotes do mundo inteiro se reunirão no Vaticano para discutir novas formas de evangelizar os povos indígenas e de reforçar a presença da Igreja Católica em uma região com “vertiginoso crescimento”. Além disso, a assembleia de bispos deve produzir um discurso contundente em defesa da Amazônia, em linha com a encíclica “Louvado seja”, a primeira exclusiva do papa Francisco e a primeira na história dedicada a temas ambientais. Além de consolidar a imagem de Jorge Bergoglio como ativista contra as mudanças climáticas, especialmente por seus efeitos nas periferias do mundo, o Sínodo deve manter os olhos do mundo voltados para a Amazônia.

O Blog do Mário Adolfo foi ouvir com exclusividade a opinião de Dom Luiz Soares Viera sobre esse momento tão importante para a Amazônia. O ex-arcebispo de Manaus, que dedicou 21 anos aos serviços da Igreja Católica da capital, Alerta para o “falso patriotismo” e adverte que  o Brasil só lembra que é dono da Amazônia quando países estrangeiros dizem que a região é um patrimônio mundial.  

— Infelizmente um falso patriotismo só distorce a questão. O verdadeiro patriotismo é buscar o apoio das universidades, dos centros de pesquisa e da população amazônica para elaborar um projeto de desenvolvimento global da Amazônia em que se respeite a natureza e especialmente seu povo –,  afirma o religioso, que atualmente reside em Santa Fé, interior do estado do Paraná, na Diocese de Apucarana.

A entrevista:

Blog do Mário Adolfo – Dom Luiz, a partir de domingo, dia 6, 184 bispos se reunirão para o Sínodo da Amazônia, que discutirá durante 20 dias, no Vaticano, a presença da Igreja Católica na região. Como o senhor avalia este momento?

Dom Luiz Soares –  Sem dúvida estamos diante de um acontecimento histórico. Há muitos anos, os bispos da Amazônia pediram aos católicos do Brasil que olhassem nossa região com maior carinho. A partir daí recebemos missionários e missionárias vindas de várias partes de nosso país. Surgiu na CNBB uma comissão especial para a Amazônia que fez belo trabalho e, dirigida atualmente por um cardeal, D. Cláudio Hummes, atinge a Amazônia continental com o chamado REPLAN. Acredito que o Sínodo ajudará a tarefa da evangelização dos amazônidas e dará impulso a que se pense seriamente como desenvolver a Amazônia sem destruí-la.

BMA – A questão ambiental estará no centro das discussões – até por causa dos incêndios florestais -, o senhor sempre alertou para esta questão. De que forma o sínodo contribuirá para frear esse desastre?

Dom Luiz Soares – Os incêndios florestais aumentam quando aumentam as áreas desmatadas. A impunidade diante desse crimes ambientais incentiva a ganância de aventureiros que, em bom número, procedem de outros estados do Brasil. O desmatamento é feito de maneira empírica e com consequências imprevisíveis para as novas – gerações. O Sínodo, na esteira do documento “Laudato si” do papa Francisco, poderá ser um alerta para os países amazônicos e para a consciência universal.

BMA – Dom Luiz, nós da Amazônia sempre percebemos que o governo federal, historicamente,  dá as costas para a Amazônia, que é uma das regiões mais importantes do planeta. Prova disso é o grade abandono em que vivem as populações ribeirinhas e alguns municípios perdidos na floresta. Até quando isso vai continuar?

Dom Luiz Soares –  A Amazônia brasileira sempre foi tratada pelos governos e pelos brasileiros como uma colônia. É terrível que se pense e se aja tendo-nos como fornecedores de energia para as demais regiões brasileiras deixando-nos mal servidos em eletricidade. Nossos minérios deixam-nos e nos deixarão com buracos e com que proveito para nossa gente? Represam nossos rios, destroem o meio ambiente, matam nossos peixes, e que fica para nossa região? O Sínodo talvez não toque esse assunto, mas nós precisamos levantar a bandeira de que somos Brasil, não colônia do Brasil.

Mário Adolfo — O senhor concorda que o Brasil só lembra que é dono da Amazônia quando países estrangeiros dizem que a região é um patrimônio mundial?

Dom Luiz Soares – Infelizmente um falso patriotismo só distorce a questão. As críticas deveriam ser recebidas com bom senso. Elas nos podem alertar para falhas nossas, se não as ignoremos. O verdadeiro patriotismo é buscar o apoio das universidades, dos centros de pesquisa e da população amazônica para elaborar um projeto de desenvolvimento global da Amazônia em que se respeite a natureza e especialmente seu povo.

BMA – No documento de preparação do Sínodo sobre a Amazónia, é apontada a possibilidade de ordenar homens “preferencialmente indígenas e com famílias estáveis” para lutar urgentemente contra a falta de sacerdotes naquela região. Em resumo,  mesmo que casados, esses homens poderão no futuro celebrar missas e realizar confissões, atuando como se fossem padres normais da Igreja Católica. O senhor é favorável a essa ideia?

Dom Luiz Soares – Sim, concordo. Na Igreja Católica temos padres casados nos ritos orientais, em comunidades anglicanas que entraram em nossa Igreja. Por que não em regiões onde a Eucaristia é celebrada muito raramente?

BMA – A ideia seria estender o sacerdócio aos chamados “viri probati”, homens casados, de fé comprovada e capazes de administrar espiritualmente uma comunidade de fiéis. O objetivo seria aumentar o número cada vez menor de padres na Amazônia. O senhor admite que  as comunidades amazônicas enfrentam dificuldade para celebrar a Eucaristia por falta de sacerdotes?

Dom Luiz Soares –  A falta de padres na Amazônia é gritante. Quando estive à frente da Arquidiocese de Manaus, visitei comunidades que tinham a Missa de 4 em 4 anos. É justo negar o direito da Eucaristia a tantas pessoas? Entre os povos indígenas a situação é delicada porque temos enormes dificuldades de formar padres indígenas porque as culturas são muito diferentes. A Igreja Católica precisa por num prato da balança a necessidade de comunidades e por no outro prato uma lei disciplinar; depois decida o que é mais importante: a lei canônica ou a evangelização?

BMA – O relatório do Vaticano  evidencia a “contribuição decisiva” de homens e mulheres indígenas para “dar impulso a uma autêntica evangelização do ponto de vista indígena, segundo seus hábitos e costumes”.  Refere-se a  indígenas que pregam a indígenas com um profundo conhecimento de sua cultura e seu idioma, capazes de comunicar a mensagem do Evangelho com a força e a eficácia de sua bagagem cultural. O senhor é a favor da oficialização da presença dos  índios na Igreja católica?

Dom Luiz Soares –  Não tenho dúvidas da importância da presença e atuação dos povos indígenas em suas áreas e também como contribuição para a sociedade toda. Temos muito que aprender com eles.

BMA – O sínodo também vai discutir formas de garantir espaços de “liderança” às mulheres, especialmente na área de formação. Entre outras coisas, o relatório sugere que seja “identificado o tipo de ministério oficial que possa ser conferido às mulheres, tendo em conta o papel central que elas desenvolvem na Igreja amazônica”, diz o texto. Isto significa dizer que as mulheres poderão, também, serem ordenadas no futuro?

Dom Luiz Soares –  A questão da presença feminina na Igreja tem sido tema de debates muito bons. O Papa Francisco já colocou algumas mulheres em cargos de direção na Santa Sé. Temos de abrir espaços maiores para elas. Afinal, em nossa Amazônia elas estão à frente da maioria das comunidades e de trabalhos pastorais. Creio que o Sínodo deva enfrentar corajosamente esse tema. Quanto à ordenação de mulheres, precisamos de estudos mais aprofundados. Não acredito que o Sínodo se manifeste a respeito.

BMA –  O Papa Francisco acaba de declarar,  nesta quinta-feira 3,  que a devastação da Amazônia é um “problema mundial“. “Por exemplo, a Amazônia que queima não é apenas um problema daquela região, é um problema mundial”, disse o Pontífice. O senhor alimenta a expectativa de que o sínodo produza um poderoso discurso em defesa da Amazônia?

Dom Luiz Soares –  A Amazônia brasileira é nossa. Isso deverá ficar bem definido. Mas a Amazônia tem influência sobre outras regiões do mundo, o que deve ser levado em consideração. É como sua casa: nela você é dono, mas, se perturbar a vizinhança com barulho, fumaça ou qualquer coisa, poderá sofrer represálias. O meu direito começa e termina onde o direito do outra começa e termina. Foi muito boa a colocação do Papa Francisco.

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