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Serafim Corrêa: "Amazonino desarrumou a casa mais do que já estava desarrumada"

Em se tratando de período eleitoral, é comum no Amazonas se ouvir a seguinte frase: “ninguém nunca  derrotou a máquina de governo”, para afirmar que candidato do sistema não perde. Mas, em 2004, o economista Serafim Corrêa quebrou esse tabu ao se eleger prefeito derrotando nada menos que o cacique Amazonino Mendes, que já havia sido governador duas vezes e prefeito duas, lançado pelo então governador Eduardo Braga, sob as bençãos do então o prefeito tampão Alberto Carijó.

Com uma carreira política que se estende por mais de 40 anos, Serafim não é a exceção, mas é um dos raros políticos em que se pode dizer “este é íntegro e coerente”. Na prefeitura lutou praticamente só contra as oligarquias. Não investiu em propaganda e nem contratou uma mega assessoria de imprensa para colocar suas obras nos holofotes. Talvez por isso, poucos souberam que ele fez a única via de escoamento, a Avenida Maceió, sem a qual  trânsito de Manaus hoje estaria muito pior. Construiu apenas uma creche e foi criticado por isso. Mas, os que criticaram, à época, nunca haviam feito nenhuma. Serafim tomou banho no meio do povo da zona leste, quando a água jorrou pela primeira vez naquela região. Ergueu viadutos, construiu o Parque dos Bilhares e travou uma guerra contra o IPHAM para restaurar o mercado Adolpho Lisboa. Foi vencido.

Mesmo eleito prefeito, Sarafa, como é chamado, continuou morando na mesma casa, no Vieiralves, andando no mesmo carro e levando a vida pacata que sempre levou, quebrada apenas em fevereiro quando ele mergulha na folia da Banda Independente e Confraria do Armando (Bica), da qual é fundador.

Foi justamente por não ter torrado milhões na mídia que Sarafa pagou um preço alto: foi o único prefeito do Brasil que não conseguiu a reeleição. Neste entrevista ao Blog do Mário Adolfo, o deputado, hoje com  71 anos e candidato à reeleição, explica porque nunca quis ir tentar uma carreira nacional em Brasília, o que travou a aliança com o PCdoB  e o PT, explica porque o governador Amazonino Mendes (PDT)  “ao invés de arrumar, desarrumou a casa mais do que já estava desarrumada” e diz como descobriu que o estado escondia R$ 450 milhões do Ideb.

CONFIRA

Blog do Mário Adolfo – Estamos a 20 dias da eleição, o senhor acredita que só a partir de agora o eleitorado começa definir o voto?

Serafim Corrêa – Exatamente, agora é a reta final, é a reta de chegada. Até então, o eleitorado muito observador. Nessa eleição você vai votar seis vezes: primeiro para deputado, depois deputado estadual, dois votos para senador, voto do governador e presidente. É claro que isso aí vai exigir de todos levar a colinha para poder exercitar a democracia e dar os seus seis votos.

BMA – Circulou uma corrente muito forte nos bastidores da política de que o senhor seria, nesta eleição, candidato a deputado federal por determinação da direção nacional do PSB. Mas isso não aconteceu. Por que o senhor nunca ousou sair de Manaus e tentar uma carreira nacional?

Serafim Corrêa – Certo. Eu tenho um filho, o Rafael, que tem uma doença muito pesada, que é esclerose lateral amiotrófica (ELA), e ele vive acamado há 35 anos, com todas as dificuldade de viver que você possa imaginar (se emociona). E não seria justo nem com ele e nem com a Lídia (esposa) eu sair de Manaus. Por isso eu fiz uma opção definitiva por Manaus.

BMA (interrompendo) – Embora não tenham faltado convites, não é?

Serafim Corrêa – Sim, inclusive da direção nacional do partido e eu sou candidato a reeleição. O candidato a deputado federal do PSB é o Marcelo Serafim (filho).

BMA – Deputado, o que aconteceu com a candidatura do ministro Joaquim Barbosa, que ensaiou sair para presidente, muita gente se animou, e depois recuou. O que foi que aconteceu?

Serafim Corrêa – Aconteceu o seguinte: ele colocou o nome dele à disposição, se filiou ao partido e estava empolgado. Quando saiu a primeira pesquisa e ele ainda nem havia aceitado se candidatar, ele já tinha 11 pontos percentuais. Foi então que ele procurou a direção nacional do partido e disse: “Olha, eu estou receoso porque eu ainda não consegui convencer nem a mim mesmo e nem a minha família. E eu não quero frustrar nem o partido e muito menos o eleitorado. Discuti muito com a minha esposa e com os meus filhos e decidi que eu não devo ser candidato”. Ele foi muito correto, muito sincero, objetivo e positivo. E aí ele comunicou ao partido que não seria candidato. Na sequência, em congresso nacional, o partido decidiu pela neutralidade nos estados, para que cada um apoie o candidato que é o melhor para aquela região. No entanto fez uma ressalva: veto total no apoio ao Bolsonaro (Jair, candidato do PSL).

BMA – Como o senhor avalia o crescimento da candidatura do Jair Bolsonaro nessa eleição?

Serafim Corrêa – Olha só: eu respeito o direito de todos de serem candidatos. Ele tem esse direito. No entanto, nós não concordamos com as ideias dele e divergimos delas frontalmente. O caminho que ele propõe ao Brasil não é a saída. O caminho para o Brasil é o do entendimento, é o da racionalidade e o de fazer contas. O Brasil tem que encarar problemas que ele tem e que ele precisa resolver. E o primeiro deles é o nosso desequilíbrio fiscal, que não decorre da não reforma da Previdência – que deverá ser feita –, mas antes disso decorre de uma política econômica equivocada, que aconteceu em três momentos do Brasil. Aconteceu com o Juscelino Kubitschek, quando ele resolveu gerar moeda emitindo papel moeda para construir Brasília. Aconteceu no governo Geisel, quando ele resolveu endividar o Estado para abastecer o BNDES para eleger os campeões nacionais, e aconteceu no governo Dilma quando ela repetiu a política equivocada de Juscelino e a política equivocada de Geisel e deu naquela crise econômica: inflação de 12% ao ano, uma dívida pública enorme e que a cada ano nós pagamos de R$ 300 a R$ 400 bilhões de serviços da dívida. Para se ter uma ideia, o presidente Itamar Franco deixou uma dívida de R$ 200 bilhões e hoje o Brasil tem uma dívida que chega quase a R$ 400 trilhões. Ou seja, 20 vezes mais. Isso é o grande nó que o Brasil vai ter que resolver e o Bolsonaro não tem competência para isso.

BMA – Deputado, os candidatos parecem ser os mesmos, mas o perfil do eleitor mudou, ou está mudando. O senhor acha que esse novo perfil, mais exigente, da sociedade tem a ver com o estado de coisas que surgiu com a Lava Jato?

Serafim Corrêa – Eu acho que o brasileiro vem, progressivamente, ganhando com a democracia. Ganhamos quando fizemos a transição da constituinte, ganhamos quando demos estabilidade às instituições. Reconheço os exageros do Ministério Público mas, que bom que o MP é livre para fazer o que quer. Acho, no entanto, que temos que ter freios e contrapesos para que eles não se excedam como vem se excedendo em muitos casos. Depois, nós resolvemos o problema da inflação que era um problema crônico, e isso foi introjetando no povo. O povo não aceita hoje a volta da inflação. Com o governo Lula, nós tivemos um ganho do olhar social. A inclusão social de milhões de famílias e o povo brasileiro não aceita mais retrocesso no que diz respeito a isso. E aí a Lava Jato virou um emblema da anticorrupção. E ninguém é a favor da corrupção, eu não conheço nenhum político que seja a favor da corrupção. Mas, a maneira de combater a corrupção é a transparência. Tem um economista americano, Robert Kligaard, que diz o seguinte: “O que é a corrupção? A corrupção é a soma do monopólios + poder discricionário de funcionários + falta de transparência. Quanto maior for o número de monopólios, quanto maior for o poder discricionário (isto é, tem o poder de decidir sem dar satisfação a ninguém) e quanto menor for a transparência, vai dar na corrupção.

BMA – Deputado, como é que o senhor avalia o governo do Amazonino Mendes, que veio para um mandato tampão e agora que se eleger para seu 5º mandato de governador?

Serafim Corrêa – Ele disse que estava sendo eleito para arrumar a casa, mas eu digo que ele desarrumou ainda mais a casa, além do que já estava desarrumada. O Amazonas precisa encontrar caminhos para o seu desenvolvimento. Precisa resolver opções à Zona Franca de Manaus, traçar caminhos. Mas, ao invés de fazer isso, o governo está girando em torno de um projeto único que é o projeto da reeleição. Isso é muito ruim, seja em favor dele, seja em favor de qualquer pessoa, porque aí virou um interesse pessoal prevalecendo sobre o coletivo. Esse período em que ele ficou como governador, na hora em que ele dizia “Vou arrumar a casa”, era dar rumos, mas ele tenta desarrumar mais ainda o planejamento do Estado. O que foi que ele fez? Ele chegou a baixar um decreto esvaziando definitivamente a Seplam e dando todos os poderes à Sefaz. Como a Assembleia reagiu e ia tornar sem efeito o decreto, ele voltou atrás para não dar o braço a torcer. Mas, na prática, ele esvaziou. Mas aí, ao invés dele atrair novos investimentos, ele tem afugentado novos investimentos. Nós perdemos 40 mil postos de trabalho no Distrito. Nós temos o problema tecnológico que é a assustador, que a indústria 4.0, onde o robô vai substituir o homem e isso é crescente no mundo inteiro e aqui não poderia ser diferente. E nós não estamos qualificando a nossa mão de obra para enfrentar essa nova realidade. Eu lamento que o caminho que ele tenha trilhado tenha sido tão equivocado. O governo do estado tem um projeto. O projeto é: reeleição do atual governador. Isso é muito ruim para todos nós.

BMA – O senhor levantou a questão do Fundeb, verba federal que teria que ser investida na Educação. O governador se recusou a repassar, provocando uma crise com os professores, o que acabou desaguando numa greve desgastante?

Serafim Corrêa – Eu fiz essa cartilha aqui (mostrando a cartilha “A Transparência, o Controle Social e a Cidadania”), claro que não fiz só, mas com os assessores do meu gabinete. E lá descobrimos a questão do repasse do Fundeb e aí nós fizemos outra cartilha para explicar à sociedade como você sabe quanto entrou de dinheiro. Hoje, todos podemos saber exatamente o dia em que entrou e quanto entrou. Ora, quando chega em fevereiro, março, o governo diz assim: eu só posso dar 4% de reajuste e eu, com mãos dados, fui e mostrei que o governo poderia dar 28%. Mas o governo fincou o pé. Depois de 4% foi pra 8%, de 8% para 16%, e terminou chegando em 27% , mas parcelado, depois de 40 dias de greve…

BMA (interrompendo) – O senhor acha que ele enganou os professores?

Serafim Corrêa – Enganou e eu vou explicar como. Depois de 40 dias de greve, os professores fizeram um acordo, esse acordo foi de 27%, pago parceladamente em março, em setembro e em janeiro. Como ele fez isso, ele precisa gastar agora 60% com o professor, mas ele só está gastando 43%. E ele tinha em 30 de junho, quer dizer, no meio do ano, R$ 450 milhões guardados do Fundeb. Hoje, ele deve ter mais. Obviamente, o Fundeb existe para melhorar o pagamento dos professores e, na sequência, obviamente, cobrar a melhoria dos índices nacionais, o Enem, o Ideb, enfim, cobrar melhoria desses níveis dos professores. Mas, o que se vê, é um jogo muito ruim, onde o governo esconde, não usa o dinheiro que veio para um fim tão nobre que é a Educação.

BMA – E agora, na campanha, acena com um abono de R$ 5 mil para os professores, numa prática que vem sendo interpretada como compra de votos?

Serafim Corrêa – Exatamente. Eu não creio que o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) autorize essa abono. Primeiro, esse abono seria exatamente aquela diferença que ele acumulou por não ter dado os 28% de uma vez, ter dado parcelado. Aí ele acumulou dinheiro. Ora, se ele tivesse dado o reajuste de uma única vez, os professores que se apresentasse levariam esse valor na sua aposentadoria. Os que já estão aposentados ganhariam mais. No entanto, ele fez tudo ao contrário, prejudicou os professores e hoje tem uma situação que ele não consegue explicar e não consegue se defender.

BMA – E esse abono seria permitido às vésperas de uma eleição?

Serafim Corrêa – Bem, ele tentou jogar a culpa no tribunal, o que é muito ruim. O tribunal, até hoje, não decidiu e não creio, esta é a minha avaliação, respeitando quem pensa diferente, que o tribunal venha a decidir a favor dele. Agora, esse dinheiro terá que ser entregue aos professores. É um acompanhamento muito de perto, principalmente através dessa cartilha.

BMA – Como senhor avalia a situação do interior do Estado hoje. Quais são as mais comuns reclamações das pessoas que procuram a Assembleia pedindo ajuda?

Serafim Corrêa – A situação do interior é: primeiro, não tem emprego, não tem atividade econômica. Quais são os três grandes patrões do interior? Primeiro é o Bolsa Família, se você for nas loterias que pagam Bolsa Família no interior, em qualquer município, vai ver onde está a fila. Segundo, a prefeitura e terceiro a aposentadoria do INSS. Então não tem atividade econômica, daí a necessidade de nós definirmos claramente o que cada a vocação de cada município. Por exemplo, Itacoatiara a vocação ali é portuária. Itacoatiara já tem um porto, o que é muito importante, mas emprega pouco. Ali devem ter dez postos iguais àqueles. Por exemplo, Mato Grosso produz milhões de toneladas de grãos. Desse grão, apenas 3 milhões de toneladas escoam pelo Porto da Hermasa. O restante, 80 milhões de toneladas descem pelas estradas para o Porto de Santos e Paranaguá, onde o custo é 30 dólares mais caro por tonelada. Ora, no momento em que ele embarca 3 milhões de toneladas pelo Porto da Hermasa, o Blairo Maggi ganha, sentado na cadeira, sem fazer nada, 90 milhões de dólares a cada ano. Isso foi uma ideia de dois saudosos e ilustres amazonenses, Raymar Aguiar e Gilberto Mestrinho. Se nós intensificarmos outros portos, ampliarmos os nossos portos, Itacoatiara passa ter um movimento bem diferente, muito maior do que tem hoje. Estou dando um exemplo, Parintins. A vocação de Parintins é o turismo, então nós precisamos intensificar, temos que ter uma agenda cultural para Parintins. Se você for para o Sul do Amazonas, a saída é que a BR-319, seja aberta e esse é o tema de campanha. Então, temos que definir essas vocações e buscar esses investimentos. E quem quiser fazer esses investimentos ir tem que ser recebido com banda de música e tapete vermelho no aeroporto.

BMA – Quais são as chances reais do candidato de seu partido, David Almeida, chegar ao poder, já que a máquina do estado nunca foi derrotada numa eleição?

Serafim Corrêa – Concretas e reais. Na minha leitura ele vai ao segundo turno. Não sei com quem ele irá, mas ele é um dos que estará no segundo turno. A campanha vem ganhando volume a cada dia, ganhando adesões da população, cada caminhada é melhor que a caminhada anterior, onde ele vai no interior é bem recebido. E ele ficou apenas quatro meses à frente do Executivo e mostrou que era possível encaminhar uma série de coisas. Eu tenho muita confiança de que ele chega lá.

BMA – O senhor não acha que trazendo a senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB) e tendo Francisco Praciano (PT), como vice, não uniria a militância de esquerda a eleição ficaria mais fácil?

Serafim Corrêa – Pois é, eu também concordo. Agora, a culpa ali não foi do PSB. Eu não  quero  dizer absolutamente nada porque eu não quero gerar  prejuízos a ninguém, muito menos à senadora Vanessa (Grazziotin) que é uma pessoa da minha estima, da minha consideração, uma senadora  muito qualificada e muito dedicada ao Amazonas. Mas eu diria  que ocorreram desencontros locais, mas principalmente nacionais. Equívocos  em decorrência de  idas e vindas, de posições radicais, que depois terminaram refluindo, mas, quando refluíram a coisa já estava trincada, Não foi legal. Mas, ao final, acho que não  houve prejuízo a ninguém.  Vamos seguir e aí. no segundo turno a gente vai conversar. E depois quando terminar a eleição eu conto melhor essa história.

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