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Professores e alunos da Ufam foram fichados durante a ditadura no Brasil

O último boletim informativo da Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas (ADUA) trouxe uma reportagem que mexeu com a classe estudantil e até mesmo com quem já passou pela instituição. A matéria assinada pela jornalista Daisy Melo mostra que na época da ditadura no Brasil, docentes foram investigados e fichados pelo governo militar.

Em documentos do Serviço Nacional de Informações (SNI) de 1980 e 1981, a ADUA chega a ser apresentada como “mentora intelectual” de movimentos reivindicatórios e responsável por reunir “a elite de professores esquerdistas, radicais e contestadores”. Na realidade, a entidade – apesar de recém-fundada – incomodava por já despontar no Amazonas como defensora da classe trabalhadora e da democracia.

Em papéis carimbados com os dizeres “confidencial” e “presidência da república – serviço nacional de informações”, de 3 de junho de 1980, são apontados como cérebros da contestação, dentro e fora da, então, Universidade do Amazonas (UA), os professores Randolpho de Souza Bittencourt, Luiz Frederico Mendes dos Reis Arruda, José Ribamar Bessa Freire, José da Silva Seráfico de Assis Carvalho, Antônio José Vale da Costa (TomZé), e as professoras Freida de Souza Bittencourt e Selda Vale da Costa.

Na época, além de Randolpho e Luiz Frederico, integravam a diretoria os docentes Marcos Luiz Barroso Barros, Osvaldo Gomes Coelho, e as docentes Marilene da Silva Ribeiro, Edinéia Mascarenhas e Maria Lúcia Belém. A eleição desta diretoria, ocorrida em 25 de março de 1980, foi alvo de investigação direta por parte dos militares.

“Acompanhar e informar a chapa vencedora e seu programa de trabalho” e “levantar os novos dirigentes” são ordens registradas em documentos do SNI de março, abril e maio de 1980. Neste período, a categoria brigava pelas perdas salariais que o golpe militar impôs às trabalhadoras e aos trabalhadores; lutava pela consolidação da ADUA como órgão representativo e contestava as irregularidades praticadas na universidade e que a Associação era denunciante, segundo relato do hoje professor aposentado José Seráfico.

Professor José Seraphico

A perseguição direta do governo era tão explícita que documentos do SNI afirmavam que estes grupos de pressão da área educacional estavam interligados e mantinham vinculação com os demais como o clero, sindicatos, partidos políticos e a imprensa.

Sobre este último, era dito que os jornais A Crítica e A Notícia davam cobertura aos movimentos. Entre dez nomes citados está o da professora da Ufam, Ivânia Vieira, na época estudante de Comunicação da UA e integrante da redação do A Notícia. Em 1981, Ivânia tinha 23 anos e conta que, naquela época, o Brasil e vários países latino-americanos estavam submetidos a governos ditatoriais e “as lutas pela redemocratização estavam espalhadas na cidade e no campo, nas escolas secundaristas e nas universidades, nas pastorais da Igreja Católica, nos sindicatos e nos inúmeros coletivos que deram feição às lutas das mulheres, dos negros, dos indígenas”. Nos dez anos em que atuou no jornal, a professora relatou que, como pauteira e editora, precisou lutar por determinadas coberturas.

“Considerava os temas daquele momento relevantes e os pautava ou os editava driblando determinadas tentativas de retirada de matérias das páginas dos jornais”, contou. Segundo Ivânia, a inserção desses temas era feita com enfretamento da censura.

“Eu e outros colegas aprendemos a encontrar brechas ou construí-las nas adversidades e no agir da censura, não sabíamos o que era autocensura e não saber nos ajudou a seguir adiante com nossos sonhos feitos de muitas lutas”, disse.

Devido a sua atuação, Ivânia Vieira chegou a receber o que chama de ‘avisos’ por meio de colegas repórteres que, na época, faziam a cobertura policial. “Recebia ameaças em formatos de avisos para que tomasse cuidado porque poderia ‘amanhecer com a boca cheia de formiga’ (…) não dei importância maior até por não saber que estava sendo monitorada pelos agentes”.

Professora Ivânia Vieira

Cineclube Tarumã

O Cineclube Tarumã (1978- 1983) teve uma participação especial neste processo. “No início dos anos 1970, nós tinhamos um desenvolvimento de cineclube mais cultural, quando chegou ao final dos 1970, o Brasil estava começando a mudar, o nosso Cineclube Tarumã ganhou uma feição diferente”, conta TomZé, que era ao mesmo tempo o presidente e operador do cineclube.

As sessões, regularmente realizadas aos sábados, no auditório Doutor Zerbini, na Faculdade de Medicina, passaram a apresentar filmes proibidos na Ditadura como o russo O Encouraçado Potemkin (1905) e os brasileiros O homem que virou suco (1981) e Linha de Montagem (1982). Além da abordagem mais política, o Tarumã ganhou uma versão itinerante.

“A atuação do cineclube foi muito forte, porque nós começamos a demandar um tipo de filme em que era discutida exatamente essa situação (…) nós tinhamos o contato com as pessoas e no meio da semana íamos para bairro, comunidades, fazíamos o que eles [os militares] chamavam de ‘agitação’, porque lá exibíamos e discutíamos o papel do trabalhador, do operário, que era retratado no filme”, conta.

TomZé participou também de atividades em outras entidades citadas no documento do SNI como o jornal Porantim, no PT e nas passeatas e greves da ADUA. “Estava tudo fervilhando, e nós estávamos contribuindo, então era óbvio que íamos ficar visados, tudo isso foi somando e naturalmente íamos sendo olhados, de modo a dizer que éramos ‘agitadores’, eram muitas entidades ligadas e muitas com as mesmas pessoas, jovens que estavam com um pique danado para fazer (…) nós sabíamos que tinha ‘olheiros’, mas nós não pensávamos ‘não vamos falar nada’, nós estávamos no pique, comenta. Resistência

A categoria docente e muitas outras estavam movidas pela mesma vontade de mudar o cenário político brasileiro e de reconquistar a democracia.

Professo TomZé
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