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Mário Adolfo

Assisti “O Bebê de Rosemary”, considerado um dos filmes mais icônicos do final da década de 60, por volta de 1973, no Cine Ypiranga, em Manaus. E talvez não queira ver nunca mais. Dirigido pelo polêmico cineasta polonês Roman Polanski, o  filme hoje é considerado um clássico do cinema de suspense e terror, mas, ao mesmo tempo marcado por “malditas coincidências”, como foi rotulado pela mídia.

Alguns eventos estranhos acompanharam o filme, tanto durante as filmagens e até após o lançamento da enigmática película. A história é sinistra. Um jovem casal se muda para um prédio habitado por estranhas pessoas. Quando Rosemary Woodhouse (Mia Farrow) engravida, passa a ter estranhas alucinações e vê seu marido, Guy Woodhouse (John Cassavetes), se envolver com os vizinhos, membros de uma seita que quer que ela dê a luz ao ‘Filho das Trevas’. Por aí, já dá pra sacar que o filme é tenebroso.

Após o lançamento do filme, um crítico teria escrito que os vizinhos de Rosemary se parecem com “uma pequena e reclusa seita da Califórnia”. Mas isso não foi considerado nada de estranho. No entanto, o produtor William Castle começa a receber ameaças de morte, por causa do tema “anticristo” do filme. A maldição tem início em abril de 1969, quando Castle é internado em caráter de emergência, com falência renal. Na sala de cirurgia do hospital, testemunhas afirmam tê-lo ouvido delirar dizendo:

— Rosemary, pelo amor de Deus, solte esta faca!

No final do filme, após descobrir a verdade, que seu filho foi resultado do ato sexual com o demônio, fato que ela acreditava ter sido apenas um sonho, pois havia sido dopada pelos vizinhos em um jantar horas antes, Rosemary aparece próxima do berço do amaldiçoado filho, com uma faca, dando a entender que pretende matar a criança.

No mesmo dia, e no mesmo hospital, estava Krysztof Komeda, compositor da trilha sonora do filme e grande amigo do diretor do Roman Polanski e de sua esposa Sharom Tate. Assim como Hutch, o amigo de Rosemary, Komeda também morre por causa de um coágulo no cérebro.

Mas a sucessão de fatos macabros não para por aí. Em agosto do mesmo ano, Sharon Tate, esposa do diretor do filme, é assassinada a facadas por quatro fanáticos de uma pequena seita reclusa da Califórnia (assim como o crítico havia descrito os vizinhos de Rosemary), liderados pelo serial killer norte-americano Charles Manson. Tal qual Rosemary, Sharon também estava grávida. Mais quatro pessoas morreram no ataque, ocorrido na casa de Polanski. Na porta do local, os criminosos escreveram “porco” com o sangue das vítimas. Esse crime ficou conhecido como “Helter Skelter”, nome de uma música dos Beatles (a expressão significa “caos”, “decadência”). Manson era grande fã do quarteto de Liverpool.

A última coincidência, ou não, aconteceu vários anos depois do lançamento do filme, quando John Lennon é assassinado, em Nova York, na porta do prédio onde morava. Agora adivinhe o nome do prédio? Edifício Dakota, o mesmo onde se passava a trama de ‘O Bebê de Rosemary’. Estive lá em 2014 e, de fato, achei o lugar meio lúgubre.

Fã de Roman Polanski desde “A dança com Vampiros”, filme de estreia em  1967, do diretor polonês, eu já sabia de tudo quando recebi a pauta do meu editor na época, Mário Monteiro, numa tarde nublada de 1988 na redação do EM TEMPO.

— Não sei tu conheces esse bicho? É aquele diretor de cinema que foi acusado de assediar a filha adotiva – explicou Monteiro, jogando gasolina no fogo ao lembrar o  rumoroso caso que envolveu Polanski. Samantha Geimer, na época com 13 anos, teria sido estuprada pelo cineasta nos Estados Unidos, na década de 1970, dizia a imprensa marrom.

— Conheço e sou fã. Não do estuprador, mas do cineasta que é genial –, respondi, dando sinal para o fotógrafo Isaac Amorim me seguir.

Polanski confirmou que pode ser genioso, mas também é genial.

A entrevista seria no Cetur, um antigo balneário no meio da floresta, onde havia um hotel de selva. No carro fui me preparando para encarar uma estrela irritada, que prefere manter distância de jornalistas e que quase sempre se recusa a dar entrevistas. Mas não foi bem isso que encontrei. Apesar da fama de temperamental, o diretor francês de origem polonesa se mostrou bem-humorado, confirmando que pode ser genioso, mas também é genial.

Depois de bebericar várias goladas na xícara de café, antes de acender o cigarro, Polanski, de bermudas cáqui, camiseta cavada branca e tênis, o premiado diretor se deixou levar pela saraivada de perguntas, à queima roupa, dos jornalistas amazonenses.

Naquele anos, 1988, aos 55 anos, o diretor polonês exibiu no Amazonas a sua mais nova conquista: Emmanuelle  Seigner, de 22 aninhos.

— Qual o melhor cinema do Terceiro Mundo?

— Quem é o Terceiro Mundo? A Polônia está incluída? (risos).

— Que cineasta você respeita na América do Sul?

— Penso que Hector Babenco é o melhor.

— E no Brasil?

— O cinema daqui penetra muito pouco, onde eu vivo. Mas quando algum filme brasileiro é indicado em algum festival, eu me preocupo em ver.

—Quais você viu?

— Ah! Eu gostei muito do Pagador de Promessas e alguns de Glauber Rocha. Mas antes de chegar pela primeira vez ao Brasil, vi um filme do Brasil em Cannes, o que me deu uma imagem completamente diferente do país.  Cangaceiro (risos).

O diálogo bem-humorado foi vivido quinta-feira, na piscina do Cetur Hotel de Lazer, entre o polêmico diretor polonês, Roman Polanski e os jornalistas de Manaus. Aos 55 anos, o cineasta aparenta bem menos, remoçando, anda mais quando está ao lado de Emmanuelle Seigner, estrela de seu último filme Frantic, que estreou no dia da entrevista em 15 cidades brasileiras com nome “Busca Frenética” .

Polanski apareceu no saguão do hotel sozinho, irritando alguns fotógrafos, que queriam conferir o que dizem de Emmanuelle, de 22 anos, batizada na imprensa carioca como “o bebê de Polanski”. Mas tiveram que segurar a ansiedade, Emmanuelle ficou dormindo.

— Nós só descansamos quatro horas esta noite, queixou-se Polanski, exibindo um desalinhado bermudão creme, uma camiseta surrada de meia azul e tênis sujos com meias grossas. O cabelo em desalinho, vez por outra era retirado da testa pelas mãos agitadas do diretor. Na orelha, um brinquinho de brilhantes.

“Os meus vampiros não são comunistas”

Roman Polanski estava em São Paulo, quando recebeu o convite do amigo Zygmunt Sulistrowski, também cineasta polonês, mas naturalizado brasileiro e apaixonado pela Amazônia. Zygmunt é o novo proprietário do Cetur Hotel, que gabava-se, a toda hora, de sua velha amizade com o premiado diretor.

— Conheci Roman na Califórnia há mais de 25 anos! – repetia o anfitrião. Advertindo que veio para descansar e que nunca tinha visto tantos jornalistas na sua vida, “como vi aqui no Brasil”, Polansk não fugiu às perguntas e soube dosar “alfinetadas” e sutilezas. Não fugiu aos questionamentos políticos e encarou todas as perguntas sobre sua vida particular.Como diria o velho jargão, Polanski não se queixou nem do Papa, de quem é compatriota.

— O que você acha de João Paulo II, que é compatriota.

— Pelo menos, é popular… muito popular! – respondeu Polanski.

No meio do ping-pong de perguntas e respostas, alguém tentou dar ao filme “A dança dos Vampiros” uma conotação política que nem Polanski tentou, rotulando os vampiros de comunistas “simbólicos”.

— Mas eu não tive essa intenção — respondeu o diretor, que foi traduzido na entrevista de 35 minutos por Zygmunt. Não satisfeito com a resposta, o repórter insistiu, chegando a irritar o cineasta. Quando teve o seu estilo associado ao de Alfred Hitchcock, reagiu dizendo que o filme que o influenciou foi visto quando tinha apenas 14 anos.

— O filme que vi, ainda criança, era bem mais importante que Robin Hood. Admitiu, no entanto, que uma única cena de Frantic foi inspirada no mestre do suspense.

— É a cena em que Harrison Ford retira Emmanuelle de águas pelos braços, diz, entrelaçando os braços, como se estivesse revivendo a cena. Numa segunda comparação, dessa vez a Ingmar Bergman, feita pelo mesmo repórter, Polanski não resistiu e contra-atacou com seu humor ferino:

— Você está preocupado em colocar pequenas coisas em pequenos buracos. E isso não se enquadra no cinema. Daria um ótimo colecionador de selos (risos).

“É paradoxal o polonês não poder fazer greves”

Mesmo vivendo fora de seu país, Polanski não se distancia de seus problemas e tem acompanhado o confronto entre o sindicato Solidarinosc (Solidariedade) e o governo do general Wojciech Jaaruzelski.

— A Polônia é um dos poucos países feitos para o trabalhador e pelo trabalhador, que está direcionado exclusivamente para o trabalho.No entanto, não dá aos trabalhadores o direito de greve. Isso, a meu ver, é paradoxal, critica. “Um país onde o povo está trabalhando para construí-lo, é justo que, pelo menos, tenha direito à greve”.

Nem bem o cineasta havia se recuperado da irritação provocada pela primeira pergunta indigesta, veio outro, como um torpedo.

— E a imagem de maldito, é um recurso de mídia, ou você se sente assim mesmo? –, perguntou um jornalista de televisão. Polanski volta a responder com deboche.

— Isso é um problema criado por jornalistas. Cada um diz o que quer!

Ele não soube responder o porquê do fracasso do filme Piratas, que seria exibido em breve pela TV.

— Ninguém pode explicar. Se conseguiste adivinhar, seria o homem mais rico do mundo. Acho que isso acontece pelo “tempo do ar”. E o filme perdeu seu tempo.

Não descarta a possibilidade de um dia dirigir um filme na Amazônia. “O Zygmunt vai encontrar uma boa ideia e venho fazer a direção aqui”.

A imprensa carioca mentiu. Emmanuelle usa calcinha, sim!

Conquistar mulheres bonitas e novas sempre foi a marca de Roman Polanski. Um filme para cada nova paixão. Uma paixão em cada novo filme. Qual a fórmula usada para conquistar excitantes namoradas aos 55 anos?

O diretor ri frente à pergunta e descarta, logo em seguida, de forma bem-humorada?

—Não sou eu que conquisto. Elas é que me conquistam!

Mesmo falando em namoradas, Polanski resistiu o quanto pode em trazer Emmanuelle do apartamento até à piscina. Um fotógrafo insistiu:

— Queremos fotografar Emmanuelle, seria possível?

— Mas só se for para fotografias. Estamos muito cansados e ela preferiu ficar no apartamento — responde, concordando com ir buscar a atriz. Retorna de mãos dadas com a namorada. Sem maquilagem, de minissaia cinza colada no ao corpo, o que desmente a imprensa carioca (ela usa calcinha sim), camiseta vermelha, tênis branco e cabelo amarrado em rabo de cavalo, a loiríssima Emmanuelle é a própria imagem de ninfeta, bem ao gosto do velho lobo Polanski.

— Não exagerem, eu tenho apenas um rostinho bonito, foi a única frase pronunciada no encontro pela Michelle do filme Frantic , que envolve o garanhão Harrison Ford, que vive o Dr. Walker na grama.

Alguém tenta perguntar alguma coisa, mas Polanski segura a namorada pela cintura e tenta sair de cena apressado. Mas já no corredor, é interrompido por alguns “tietes chatos”, que insistem em pedir autógrafos. Depois da sessão extra, espera Emmanuelle saborear um suco de maracujá e desaparece no corredor do hotel.

Sem largar a mão de seu novo bebê!

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