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‘Nem sempre se pintar de preto é feito para rebaixar os negros’, aponta ativista do Movimento Afro Amazonas

Você já ouviu falar na ‘Dança do Cordão do Africano’?  É uma festa amazonense pouco conhecida que acontece no município de São Paulo de Olivença, região do alto Solimões. Lá as pessoas também se pintam de preto – muitos deles negros ou decendentes. O objetivo da celebração é destacar a origem daquela população, com intenção de preservação cultural e afirmação de presença negra na região desde tempos idos. Uma ode aos negros.

No Festival Folclórico de Parintins, os personagens Pai Francisco e Catirina representam negros, mas, na maioria das vezes, são interpretados por brancos que se pintam com tinta preta. Este fato chamou atenção dos jurados que estiveram na ilha para julgar a festa. Para a comissão julgadora, que escreveu uma carta sobre o assunto ao final do festival, este costume precisa acabar.

“Quando colocamos pessoas que não são negras para representar negros e os pintamos de preto, estamos sendo desrespeitos com a raça. Se os índios são representados por pessoas com traços indígenas e os brancos são representados por brancos na festa, nada mais justo que Catirina e Pai Francisco sejam representados por pessoas negras”, disseram os jurados.

Dança do Cordão Africano, que acontece em São Paulo de Olivença

Mas na opinião do ativista do Movimento Afro do Amazonas, Alberto Jorge, os jurados confundiram black face dos Estados Unidos com o folclore brasileiro. “Nos Estados Unidos o black face era usado de forma jocosa mesmo, pra rebaixar os negros. No folclore brasileiro, os próprios negros se pintam de preto e isso acontece em várias festas. Aqui não há intenção agredir os negros, mas sim representa-los e celebra-los. No Maranhão alguns negros também se pintam de uma cor bem mais preta. Não há racismo e nem preconceito” , explica.

Alberto Jorge ainda criticou o fato do Caprichoso ter levado Pai Francisco e Catirina com características diferentes do que conta a história do auto do boi. “Eu sou contra. A Catirina do Caprichoso, longilínea, destoa do que é o personagem, que é uma mulher dos seios fartos, bunda avantajada, uma verdadeira ‘parideira’. O folclore tem parâmetros. No Sergipe, na Dança dos Parafusos, brancos e negros se pintam de preto. Vamos dizer que eles estão rebaixando os negros? É uma celebração. É completamente diferente”, defende.

Garantido

No boi Garantido, o Pai Francisco é interpretado por João Paulo Faria desde 2015. Quando chegou ao boi, as figuras do Pai Francisco e da Catirina ocupavam espaços menos privilegiados. O auto do boi, que conta a verdadeira história do boi, havia sido deixado de lado e os personagens eram meros coadjuvantes.

João Paulo Faria foi responsável por dar nova vida às figuras e em 2018, Pai Francisco e Catirina até ganharam vozes na toada ‘Desejo de Catirina’, de autoria de Enéas Dias, Marcos Moura e João Kennedy. Também fazem parte desta retomada de revalorização as toadas ‘Auto do Boi Garantido’ (2016), dos mesmos autores, e a encenação Resgate do Auto do Boi (2015), proposta de Mencius Melo, que era da comissão de arte do Garantido.

No boi bumbá, JP Faria representa um personagem negro e, graças a ele, voltou a ter destaque na apresentação.

Pai Francisco, em Parintins

Neoativistas

O mestre em História Social pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Juarez da Silva Júnior, conta que recentemente um grupo amazonense viajou para o sudeste a fim de apresentar em atividade cultural o boi bumbá e que lá, foram impedidos de se apresentar acusados por neoativistas de “black face”, situação piorada com a perseguição e linchamento virtual.

“Tais ‘Neos’, óbvios desconhecedores da cultura popular do próprio país e da diáspora, atuam como arrogantes ditadores do “correto”, sem contudo se darem ao trabalho de tentar entender do que realmente se trata algo, partindo precipitadamente de suas concepções rasas e descontextualizadas para o ataque insano”, aponta em artigo.

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