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“Quem defende o AI-5 é o caso da gente mandar calar a boca!”, diz Guilherme Arantes em Manaus

Quem teve a sorte de comprar um dos ingressos colocados à venda para o show de Guilherme Arantes – eles se esgotaram na quarta-feira –, viveu na noite de sexta-feira, 1º/11, no palco do Teatro Amazonas, a trilha sonora de sua vida. Canções como “Meu Mundo e Nada Mais”, “Pedacinhos”, “Amanhã”, “Êxtase”, “Cuide-se bem”, “Um Dia, Um Adeus” e outras que  fizeram sucesso nas novelas e nas FMs, transformaram a plateia em “backing vocal”. Todos aplaudiram e se emocionaram num teatro absurdamente  lotado, da plateia ao terceiro  andar. 

— Tinha gente até na cúpula do teatro, um lugar onde só quem frequenta é o fantasma da ópera (risos) –, ironizou  uma funcionária da Apalu Produções, empresa que trouxe o show a Manaus.

Além da sucessão de músicas que emplacaram nos anos 1970, 1980 e 1990, Guilherme Arantes, 66, projetou na parede da memória momentos de sua vida, desde os bancos de colégio, onde sofreu “Bullying” por ser o mais bonitinho, usar um cabelo chanel e tocar piano. “As meninas iam à loucura e isso deixava os mais velhos irritados. Mas eu provocava”. Foi nessa época, aos 14 anos, que o pianista, que seria eleito em 2008 pela revista  Rolling Stone Brasil um dos 100 maiores artistas da música brasileira, compôs “Meu Mundo e Nada Mais”. Aliás,  foi a mesma Rolling Stone que considerou seu primeiro sucesso “Meu Mundo e Nada Mais” como uma das 100 maiores músicas brasileiras em todos os tempos. Como a história mostraria, o menino que sonhava ser o pianista dos Beatles, foi mais longe do que imaginava. É, segundo as publicações especializadas,  um dos poucos pianistas brasileiros a integrar o hall da fama da secular fabricante teuto-americana de pianos Steinway & Sons, estando em companhia de nomes como  Franz Liszt, George Gershwin e Duke Ellington. 

Com um show intimista, ao piano e voz, trajando calça e blusa preta e sapatos azuis Puma, Arantes levou à plateia a uma verdadeira viagem ao tempo. Ele relembrou temas de personagens interpretados por atores famosos ao longo de sua carreira como Sônia Braga, Joana Fomm, Raul Cortez e muitos outros. Além de homenagear o diretor e ator Jorge Fernando, que faleceu no último dia 27 de outubro.  O cantor levou os fãs à loucura quando trocou o trecho “No verde-azul do Rio de Janeiro”, na canção “Coisas do Brasil”, pelo “verde –azul do Rio Negro” –, licença poética, claro.

 Fã de Elton John, Arantes brincou com o fato de ser comparado, no início da carreira, com o popstar inglês.

— Eles me chamavam de O Elton John do Brasil. Mas tem uma diferença. O  Elton John nunca fez uma letra dele. Eu escrevi as letras de todas minhas músicas.

Apesar de faltar 5 minutos para entrar no palco, Guilherme Arantes foi surpreendido no camarim por uma equipe do BLOG DO MÁRIO ADOLFO, conduzida pela produtora Pâmela. Simpático e alheio a ataques de estrelismo, o artista não aceitou a ideia, manifestada pelo jornalista, de cancelar a entrevista, já que estava em cima da hora do show.

— Nada, se for rápida vai dar tempo. Vamos fazer?  –, propôs Guilherme. 

E foi nessa conversa rápida, com plateia ansiosa pelo início de show, e uma longa fila lá fora de gente que continuava chegando, que o cantor demonstrou estar atento ao que rola no país do conservadorismo, dizendo que o Brasil “não é um país de ódio”, criticando os que revivem fantasmas dos anos de chumbo, pregando a volta do AI-5 e lembrando que, em 1986, quando quando lançou “Planeta Água” houve quem o criticasse por falar de um tema “sem nenhuma importância”.

— E, hoje, o tempo se encarregou de ir agregando para essa música um outro significado, né? Hoje, ela permanece como uma música importante e talvez a música mais importante do mundo que descreve o ciclo da água – disse Arantes. 

A  entrevista:

Blog do Mário Adolfo –  Você estourou em 1975 com a música Meu Mundo e Nada Mais, incluída na trilha sonora da telenovela Anjo Mau, da TV Globo. De lá para cá, o que mudou na sua na sua proposta musical e o que mudou na MPB?

Guilherme Arantes – Eu tenho uma coerência, porque a carreira é muito em cima das composições que são minhas. As letras são minhas, os arranjos são meus. Tudo é muito é autobiográfico e isso sempre representou uma  limitação para fazer sucesso, porque eu tinha que lutar por várias coisas: por causa da música, do arranjo, piano, letras, assuntos, introdução das músicas.  Eu sempre sofri muito no mercado por ter essa teimosia e  ser muito personal. Mas depois de 40 anos, isso acaba virando uma virtude e o pessoal vem e apoia um show “soul down“, por causa disso, porque tive a teimosia de vender uma coisa muito própria. Então, tem a coerência que continua a mesma coisa.

BMA – Você foi um dos primeiros compositores a ver o mote do meio ambiente com a obra Planeta Água, em 1986. Atualmente, a Amazônia é a manchete dos jornais no mundo inteiro devido ao desmatamento, às queimadas.  Qual era a sua percepção, em relação a temas ecológicos naquela época e nos dias de hoje?

Guilherme Arantes – Era uma época muito sonhadora. A gente tava cantando o Planeta Água, a maior de abundância de um recurso natural, de uma riqueza praticamente inesgotável, e mesmo assim foi alvo de críticas.

BMA – Que tipo de críticas,  se a música era quase uma unanimidade para a plateia, apesar de ter ficado em segundo lugar, na visão dos jurados?

Guilherme Arantes – Quando fiz o festival, o Ivan Lins, que era marido na Lucinha Lins, lembra? – Inclusive ela concorria naquele festival de MPB Shell 81 –,  em entrevista à Globo, ele disse que a letra de Planeta Água era muito fraca, porque a água era um assunto comum na época. Para você ver a visão do tema na época. E, hoje, o tempo se encarregou de ir agregando para essa música um outro significado, né? Hoje, ela permanece como uma música importante e talvez a música mais importante do mundo que descreve o ciclo da água. Isso é uma grande honra pra mim, porque é o elemento da espiritualidade brasileira, principalmente da Amazônia, do Cone Sul, dos aquíferos Guarani.

BMA – Qual a sua sensação de cantar novamente em Manaus, no Teatro Amazonas, numa cidade encravada no coração da floresta Amazônica?

Guilherme Arantes – É uma grande emoção tocar em Manaus. É uma cidade em que eu já vinha fazer shows desde a década de 1970. Na época, Manaus era uma cidade muito precária, decadente, estagnada, mas que hoje sofreu um processo espetacular de crescimento ao longo dessas décadas. Hoje é uma metrópole cosmopolita, muito moderna, high-tech. Vir aqui, tocar nesse teatro emblemático, em uma cidade que está num processo assim, de uma importância regional, a gente vê um lado virtuoso da Amazônia. Um lado muito importante do Brasil.

BMA– Mas como você vê a questão dos incêndios na Amazônia e a forma como a mídia e o governo trata a questão que expõe o país à opinião pública mundial?

Guilherme Arantes – As queimadas ocorrem nas fronteiras de  boi. É o avanço da agropecuária. Isso já era uma coisa previsível, ainda mais com um governo que tem um discurso anti-preservação, porque ideologiza a preservação com um papo da social democracia dos últimos 20 anos ou do socialismo que se instalou. Mas eu acho um besteirol ideologizar esse assunto. A gente passa por um período de equívoco.  Acho que houve distorções na questão da preservação. Ele (governo) foi muito atacado por esse movimento “onguista” de se aproveitarem da legislação. Mas esses são casos que acabam não tirando o valor desse terceiro setor de preservação. Existe essa acusação sobre a internacionalização da Amazônia. Então, há uma xenofobia, um interesse do pessoal do Exército de defender essa preservação da Amazônia. São questões muito complexas que envolvem muitas frentes de cobiça internacional. Então, realmente a Amazônia deve ser uma preocupação da população brasileira.

BMA – Como você avalia o momento político nacional,  quando aqueles que se dizem donos do poder chegam a pregar a volta dos anos de chumbo e até defendem o retorno do AI-5?

Guilherme Arantes – Aí é uma questão de mandar calar a boca. Não são nem elementos do governo, são  elementos agregados ao governo. Um cara que vai desmoralizando esse clã. Está se falando demais. Há um excesso de protagonismo. Tinha que ter mais comedimento, tinha que ter menos redes sociais. Mas, infelizmente, foi um governo eleito pelas redes sociais e que fica difícil da gente defender. 

Entrevista: Mário Adolfo / Fotos: Aldemir Queiroz

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