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A sobrevivência de quem adota a rua como ‘lar’ em Parintins

Em Parintins é impossível não ver essas pessoas vagando nas ruas, praças e avenidas. A situação chama atenção devido a cidade, de pequeno porte, concentrar um número expressivo de homens e mulheres em situação de rua. São diversos os fatores que os levaram a tomar a “rua como lar”. Entre eles conflitos familiares, imigrantes sem nenhum vínculo com a cidade, drogas, alcoolismo, falta de oportunidades de emprego, distúrbios mentais e até mesmo a opção própria de viver na rua.

Segundo eles, são inúmeras as dificuldades enfrentadas ao utilizar locais públicos e áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento de forma temporária ou permanente. Luiz Ferreira, 39, conta que não se alimenta diariamente ficando até quatro dias sem comer. Já Francinaldo Batista, 39, diz estar há mais de três anos dormindo em banco de praça, reclama usar as águas barrentas do Rio Amazonas para tomar banho e lavar roupa e bebe a água de torneiras públicas, de extrema importância para os moradores de rua de Parintins.. A entrevista com Francinaldo foi interrompida devido estar acometido de forte diarreia.

Outro problema é a sensação de insegurança por dormirem sem nenhuma proteção contra o crime: “estamos sempre em alerta, nunca se sabe quando pode vir um maluco e nos matar enquanto dormimos”, diz Willemar Meireles, de apenas 18 anos. Ele utiliza banheiros públicos para suas necessidades fisiológicas, em especial o que fica no píer da Praça Cristo Redentor. Willemar também bebe água em torneiras públicas

Poder Público

Os entrevistados nessa reportagem afirmam estarem totalmente abandonados pelo poder público e negam que houve qualquer tipo de assistência do estado. O órgão local responsável por esse serviço, a Secretária Municipal de Assistência Social, SEMASTH, por meio do Centro de Referência Especializado de Assistência Social, CREAS, no entanto, afirma haver acompanhamento de pessoas em situação de rua, mas cita dificuldades de viabilidade dentro dos serviços prestados.

O Creas confirma não possuir um número especifico de quantas pessoas estão em situação de Rua em Parintins e alega muitas limitações no atendimento a esses cidadãos. O orientador social Cícero Antônio sugere ao município ter uma espécie de alojamento, mas infelizmente não temos, e os trabalhos são de identificação e direcionamento a possíveis soluções.

Para a assistente social do Creas, Ananice Machado, muitos casos não são responsabilidade do município, e dependendo da situação, eles podem resolver ou não. “Rua não é moradia, nós vamos em busca, fazemos checagem e dependendo da situação, se tiver família, nós a procuramos, porque isso é responsabilidade deles também. Mas existem casos de estrangeiros, nem sempre é possível encontrar familiares. Nesses casos a responsabilidade é do estado e não do município”.    

A rua como “lar”

Casos de abandono de lar e perda de vínculo familiar são os mais comuns. “Tive problema com a família e eles me expulsaram de lá”, comenta Patric Adam, 25, em situação de rua há mais de um mês. Também é bastante significativo o número de migrantes ou viajantes que ficam provisoriamente ao relento. É o caso de Adinael de Souza, 32, em situação de rua há duas semanas no coreto da Praça Eduardo Ribeiro.

“Sou do município de Autazes, arranjei esposa e vim pra cá trabalhar. Depois de um tempo a gente se separou e fiquei sem emprego. Sem condições de comprar passagem e voltar para minha terra, acabei dormindo todas as noites aqui nessa praça. Eu fico por aqui pela região do porto e às vezes arranjo um serviço, porém o dinheiro nunca é o suficiente para voltar e não gosto de pedir dinheiro das pessoas. Minha família não sabe que estou nessas condições”, relata Adinael.

O caso de Adinael é semelhante ao de Nelson de Souza, 37, vindo de Urucará. Sem dinheiro para retornar à sua cidade natal, ele está em situação de rua há cerca de uma semana: “quero voltar para casa, mas nunca tenho dinheiro pra comprar a passagem”, lamenta Nelson. Existem também os que possuem residência e parentes na cidade, porém estão nas calçadas da Ilha por preferência: “me afastei de casa por descuido da minha família, inclusive tenho filhos e às vezes meus parentes vêm me visitar”, comenta Francinaldo Nunes, de 49 anos.

Gestos de caridade

Na contramão da desassistência do poder público, parte da sociedade civil tem papel essencial no alívio das condições sub-humanas vividas por esses cidadãos. Segundo eles, roupas usadas são doadas pelas pessoas. Conseguem ganhar uma graninha com oportunidades de serviços como carregar grandes sacolas de peixe na zona portuária e trabalhos em roças da zona rural.

Algumas vezes podem recorrer à padaria “Du Preto”, no centro, onde os funcionários são autorizados a doar pães e salgados. Quando perguntados sobre tal generosidade, a resposta é simples e direta: “porque eles têm fome”, resume César Filho, 19, funcionário e filho do dono do estabelecimento.

Aos sábados, o Centro Espirita Ana Prado, na Rua 31 de Março, no centro de Parintins, oferece café da manhã e sopa para moradores de rua, além de servir de posto de higiene com banheiro, toalha e produtos higiênicos a quem precisar utilizar. Segundo a responsável pela congregação, Rosa Souza, “a quantidade de pessoas que nos procuram é muito relativa. Tem dia que vem 10, outro que vem 20 e nós servimos a todos, pois Jesus ensinou: A fé sem obras está morta!”.

João Mário Prado – Especial para o Plantão Popular

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