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No início de Han Solo: Uma História Star Wars, descobrimos alguma coisa a respeito do nome do personagem mais malandro e carismático da galáxia muito, muito distante. Depois descobrimos como ele conheceu Chewbacca e Lando Calrissian. Depois descobrimos como ele veio a pilotar a nave Millennium Falcon. Enfim, descobrimos coisas sobre Han Solo… que são todas irrelevantes, pois tudo que precisamos saber sobre o personagem está lá no primeiro Star Wars, o Uma Nova Esperança (1977), dirigido por George Lucas. Este novo filme, do diretor Ron Howard, até conclui reafirmando que, por trás daquela cara cínica e jeitão de bandido, Han é um cara de bom coração – de novo, algo que já sabemos por ter visto a trilogia original de Star Wars.

Esse é um dos grandes problemas de Solo: ele nunca consegue escapar da maldição da prequel, nunca avança além do óbvio, nunca sai da zona de conforto. É possível adivinhar todos os desdobramentos da trama, pois além de sabermos os destinos de alguns personagens, os desdobramentos ainda são telegrafados com bastante antecedência para o espectador. E não adianta botar Han e Chewie em “perigo”, como o roteiro de Lawrence Kasdan e seu filho Jonathan insiste em fazer, pois sabemos que eles viverão – Lawrence, vale lembrar, foi colaborador de Lucas na trilogia original.

O outro grande problema é a falta de vida que se pressente em toda a empreitada. Solo,além de não nos contar nada muito importante sobre o protagonista, nunca nos convence realmente de que está contando uma história que vale a pena ser contada do universo Star Wars.  Desde o momento em que encontramos Han (Alden Ehrenreich) e sua namorada Qi’Ra (Emilia Clarke) no planeta Corellia, já se percebe que falta empolgação à história, embora ela melhore um pouco – só um pouco – quando o herói se alista no Império, conhece Chewie (Joonas Suotamo) e a quadrilha liderada por Tobias Beckett (Woody Harrelson) – estranho um personagem com nome normal num filme Star Wars…

Os novos personagens empolgam menos que prometiam. É triste ver o filme desperdiçando ótimos atores como Harrelson, Thandie Newton – que aparece por uns cinco minutos – e Paul Bettany, dando-lhes figuras extremamente rasas e sem caracterização para interpretar. Já Ehrenreich, embora se esforce, não funciona como Han, que também é uma figura bastante rasa. Em defesa do ator, é preciso lembrar que Han já era assim antes, o personagem foi elevado ao status de ícone mais pela atuação e presença de Harrison Ford do que por qualquer coisa no roteiro do primeiro Star Wars. Porém Ehrenreich claramente não consegue nem arranhar a sola do salto da bota de Ford, e sem a presença de um ator forte o filme fica com um buraco na tela, à procura tanto de uma razão para existir quanto de um protagonista forte. Além disso, a química dele com Emilia, também muito apática, é quase inexistente.

Parte desse clima morno pode ser atribuída aos problemas da produção. É sabido que os diretores originais do projeto, Chris Miller e Phil Lord, foram demitidos da produção com o longa já cerca de 70% filmado (!), devido ao velho problema das “diferenças criativas”, e substituídos por Howard, cineasta experiente, amigo de longa data de Lucas e da produtora Kathleen Kennedy. Howard foi claramente contratado para entregar um produto corporativo, um filme que, na visão dos produtores, agrade ao máximo possível de fãs de Star Wars. Mas essa atitude sem riscos saiu pela culatra, como geralmente acontece em Hollywood: é seguro dizer que, pelos seus trabalhos anteriores como o divertido e amalucado Uma Aventura Lego (2014), a versão Miller e Lord de Solo poderia até acabar sendo ruim, mas não seria morna como a de Howard.

Howard, aliás, é em minha opinião um cineasta na fronteira do medíocre – até já fez bons filmes, alguns ótimos, mas quando tinha à disposição roteiros à prova de balas e grandes atores com que trabalhar. Mesmo assim, é experiente e sabe filmar: em Solo ele até cria um ou outro momento mais inspirado de ação, como a sequência em cima de um gigantesco trem. E também se salvam no filme o Lando de Donald Glover – bem carismático, parece estar atuando em outro filme ou fazendo teste para uma possível aventura “solo”, com o perdão do trocadilho, do seu personagem, embora isso pareça improvável – e a sua droide L3, interpretada por Phoebe Waller-Bridge, que inicia uma mini-revolução dos seres mecânicos de Star Wars e arranca algumas risadas do espectador no processo. Mas na maior parte do tempo, Solo é mesmo um filme sem vida, que apela para alguns fanservices – uma aparição perto do fim pode gerar empolgação entre os fãs, mas não faz muito sentido – e nem consegue ser realmente ruim. Como vários produtos corporativos que hoje em dia passam por filmes, ele “nem fede nem cheira”, para usar um dito popular.

Essa acaba sendo uma das grandes ironias em torno do projeto. Star Wars foi criada por Lucas, um rebelde, à margem do sistema de Hollywood, e deu tão certo que fez a fortuna do seu criador e virou uma das marcas mais importantes da indústria do entretenimento. Pode-se falar o que quiser dos filmes Star Wars de Lucas depois disso, ou mesmo das produções da nova parceria Disney/Lucasfilm, O Despertar da Força (2015), Rogue One (2016) e Os Últimos Jedi (2017), mas nenhum deles antes pareceu tão “produto de comitê”, tão manufaturado e calculado, quanto Solo. Curiosamente, foi no filme do herói mais malandro e iconoclasta da galáxia que Star Wars entrou de vez no jogo da indústria e quem deteve a malandragem foi o Império… dos produtores de Hollywood que só querem ganhar mais uma graninha com a marca.

*Reproduzido do site ‘Cine Set’, com autorização do autor

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